Martha Stewart é uma celebridade americana que começou na classe média e nos últimos 40 anos acumulou uma fortuna de quase mil milhões de dólares. Tornou-se famosa com uma série de livros de culinária e daí partiu para programas de televisão, revistas e linhas de utensílios de cozinha num imenso império. Não me parece que haja alguém em Portugal que se assemelhe.
Martha Stewart sofreu, no entanto, um grande percalço há dez anos. Um velho amigo da filha e seu corretor na bolsa confidenciou-lhe por telefone que uma farmacêutica acabava de ver rejeitada a patente do seu principal remédio. O anúncio seria feito dois dias depois e a consequência óbvia era que as ações da empresa iam perder valor. No dia seguinte, Martha deu ordens para vender os 230 mil dólares de ações que tinha nesta empresa. Poupou com isso 45 mil dólares, uma ninharia na sua fortuna. Mas a CMVM americana investigou as vendas das ações da farmacêutica nessa manhã, como faz sempre nestes casos de desvalorização súbita. Apesar da sua fortuna e celebridade, Martha Stewart foi condenada por inside trading. Passou cinco meses na cadeia e mais cinco em prisão domiciliária.
A Bolsa portuguesa viveu um episódio marcante há nove dias. Na quinta-feira de manhã um Conselho de Ministros aprovou a lei que antecipava a solução para o BES. Nesse dia e no seguinte, milhares de ações do banco foram vendidas. Quem o fez, poupou uma fortuna. No sábado, os comentários de Marques Mendes levantam fortes suspeitas de fuga de informação antes do anúncio de domingo à noite.
Se fosse nos EUA, a CMVM e o Ministério Público (MP) estariam neste momento a recolher o nome de todos os que estiveram nesse Conselho de Ministros e de todos os que trabalharam no processo no Banco de Portugal nesses dias. Estariam a obter autorização de um juiz para receber uma listagem de todos os telefonemas que Marques Mendes fez nos dois dias antes das declarações. E haviam de cruzar esta lista com os nomes de quem vendeu ações do BES na quinta e sexta-feira. Com certeza que estariam pessoas ricas, famosas e atuais governantes nas listas, mas não eram precisas escutas, fugas de informação e devassa da privacidade em que o nosso MP se especializa. Bastava cruzar duas listas de nomes e pedir explicações a quem surge em ambas. Talvez afinal haja algumas Martha Stewart portuguesas.
Como estamos em Portugal, em vez disso li na imprensa que os juristas questionavam se a solução para o caso BES era inconstitucional. Neste extraordinário mundo novo inaugurado pelo nosso Tribunal Constitucional, os juízes não precisam de perseguir crimes ou ajuizar infrações. Podem ocupar-se a discutir e a determinar o que deve ser a política financeira, o que, convenhamos, é bem mais engraçado e dá muito menos trabalho.
Professor de Economia na Universidade de Columbia, Nova Iorque
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