domingo, 2 de junho de 2013

Direito Ao Trabalho, Dever Do Ócio

Artigo de Alberto Gonçalves

É escusado lembrar a história, não é? Numa edição recente do Prós e Contras, uma alegada professora universitária interrompeu o proprietário de 16 anos de um alegado sucesso comercial no sector dos têxteis para o interrogar sobre as condições dos trabalhadores chineses que fabricam as roupas que o rapaz, Martim Neves, vende. O rapaz esclareceu que as roupas são feitas em Portugal. A alegada professora saltou para o ataque à pequenez do nosso salário mínimo. O rapaz opinou que o salário mínimo é preferível ao desemprego. A alegada professora calou-se. Nos dias seguintes, os amigos e camaradas da alegada professora não se calaram.
Nas profundezas da internet, ociosos diversos recorreram a extraordinários argumentos para concluir que o negócio em causa é repugnante. Um dos argumentos, digamos, é o de que Martim Neves é, ou parece ser, um "menino da Linha" (do Estoril, presumo, e não da cocaína), logo um filho de privilegiados que beneficiou de ajuda paterna para realizar os seus sonhos empresariais. Não importa se isto é ou não verdade. Importa que para a esquerda a descendência da classe média ou média-alta está impedida à partida de trabalhar, excepto, claro, se se considerar trabalho ensinar insanidades na universidade, promover acções de protesto e verter ódio às próprias origens no Facebook ou em programas televisivos. Por motivos óbvios, a descendência das classes baixas também é desaconselhada a meter-se em trabalhos.
Trata-se da velha questão da igualdade de oportunidades: enquanto não existir em absoluto, ninguém deve mexer uma palha, uns porque estariam a aproveitar-se de vantagens injustas, os outros porque estariam a submeter-se ao jugo capitalista. Num sistema devotado às mais-valias, mais vale estar quieto. Para os militantes anti-Martim, o desemprego, sobretudo quando não os afecta directamente, é de facto preferível ao salário mínimo. E ao salário médio, que por cá é inegavelmente pequenino. E ao salário elevado, que como se sabe é típico de exploradores e - venha de lá a fatal palavra - "fascistas". O ideal é salário nenhum, já que além de evitar discriminações de berço alimenta a insatisfação popular necessária às revoluções e, consumadas estas, inaugura a sociedade perfeita. Isto na perspectiva do hospício.
No mundo real, os inúmeros defeitos do capitalismo são inegavelmente melhores para as pessoas do que as virtudes do igualitarismo. No primeiro caso, muitos arriscam a pobreza. No segundo, quase todos garantem a miséria - salvo pela nomenclatura de esclarecidos empenhada em provar que a fome sob os regimes comunistas constitui um triunfo moral sobre as dificuldades em pagar o Visa. Que, no Portugal de 2013, semelhante evidência ainda passe por polémica não abona em favor da "esperança" que as boas consciências gostam de convocar: a cegueira dedicada ao passado não é alheia ao presente nebuloso que temos e ao futuro radioso que não teremos. Pobre, mesmo que rico, Martim Neves.

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