François Hollande é um fenómeno curioso. No ano passado, este homem foi apresentado como o Messias anti-Merkel, como alguém que iria mudar as coisas com a sua caneta mágica, uma caneta que assinaria decretos mágicos que alterariam a realidade através de uma magia jurídica só ao alcance dos progressistas. Aliás, quando relemos textos da época descobrimos que muita gente pensa que o voto altera a realidade. "Se votares em Hollande, a crise desaparece" poderia ter sido o slogan. É como se a democracia fosse um mecanismo de abolição da realidade. É como se cada eleição criasse uma realidade nova a partir do zero. Ora, Hollande alimentou este populismo democrático e, agora, está a provar do seu próprio veneno. As sondagens reflectem um eleitorado que se sente enganado pelas expectativas geradas pelo PSF. Se as eleições fossem hoje, Hollande ficaria atrás de Le Pen e dos gaullistas.
E o pior é que a democracia de Hollande não representa apenas a negação da realidade. É mais grave do que isso: a esquerda francesa (e do sul da Europa, diga-se) continua a acreditar que a realidade é uma representação da vontade. É como se os socialistas acreditassem que o discurso altera a realidade. É como vivessem num paraíso pós-moderno: não existe uma realidade empírica independente da vontade de x ou y, não existem estruturas independentes da agência de x ou y; existem apenas "realidades" que são o resultado do discurso de x ou y. Isto quer dizer o quê? Que Hollande & Cia. acreditavam que a "austeridade" era apenas uma palavra; a "crise" era apenas a vontade de Merkel e a "dívida" uma ficção. Portanto, se a vontade merkeliana de Sarkozy fosse substituída pela bondade de Hollande, a crise iria desaparecer e a matemática tornar-se-ia numa coisa subjectiva e maleável. Aliás, uma matemática francesa e progressista substituiria a matemática alemão e "neoliberal".
Perante a queda abissal de Hollande e ante a ascensão fulgurante de Le Pen, que lições deve tirar o centro político europeu? Acima de tudo, devemos evitar o conceito de democracia como triunfo da vontade. A realidade demográfica e económica não muda só porque uma maioria demonstra força vital numa votação. A realidade não é uma mera representação da nossa vontade. Neste sentido, devemos perceber que a democracia não é a superação da realidade, é apenas o melhor mecanismo político para discutirmos civilizadamente a solução menos má para essa realidade. Se o centro político, à esquerda e à direita, não desenvolver esta visão realista de democracia, a loja dos populismos radicais, de esquerda e de direita, começará a ser demasiado tentadora para o eleitorado. Populismos? Sim, são aqueles correntes políticas que dizem às pessoas que a crise foge a sete pés se gritarmos com muita vontade. Conhecem?
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