O Governo falhou dizem os patrões. Os trabalhadores, mesmo os que não fazem greve, dizem-no também. Os que fazem, é claro que não só concordam como entendem esse falhanço como quase um crime. Os partidos da oposição não duvidam de que o Governo falhou e tenho para mim que, secretamente, lá no fundo da sua consciência keynesiana, Sua Excelência o Presidente da República entende o mesmo.
O próprio Governo, ou pelo menos alguns ministros do Governo, hão de estar convictos de que o Governo falhou. É objetivo, não vale a pena discutir. A situação está pior, o desemprego é insuportável, ganhamos menos (mesmo alguns capitalistas ganham menos e outros estão praticamente falidos), há menos protecção social, pagamos mais impostos.
O Governo não fez as reformas que devia ter feito e as que fez produziram pouco efeito. Outras, que chegou a propor, como a da TSU, revelaram-se um desastre (pelo menos junto da opinião pública).
Ora, o que faz no poder um Governo que falha?
A pergunta é retórica, porque na verdade este Governo olha à volta para outros Governos que têm estado a falhar. Hollande falhou; Obama não é o que se esperava; Dilma tem problemas; Enrico Letta teve de se aliar ao pavoroso (e agora condenado) Berlusconi; Cameron é o que se vê; Merkel faz promessas tontas para se aguentar no poder.
Nunca - para utilizar uma expressão cara a Vasco Pulido Valente - o mundo esteve tão perigoso como está. Há todo um modelo a falhar e arrastar consigo conquistas, valores, direitos.
Esta constatação não é, como muitas vezes é entendida, uma resignação. Pelo contrário! É um desafio.
Sim, o Governo falhou, essa é a parte que já sei! Mas agora deem-me novidades. Jurem sem se rir que um Governo do PS seria substancialmente (reparem que eu digo na substância das medidas e não apenas no modo de as apresentar) diferente. Ou jurem-me que sair do Euro não era a tragédia que se sabe. Ou jurem-me que romper com a troika não tinha um efeito devastador.
O problema não é só o Governo ter faltado à palavra, romper promessas, tomar más decisões. O problema é muito mais vasto.
Esta situação inteiramente nova carece de entendimentos internos e externos, de novas regulações sobre a financeirização da economia, de novos acordos sobre o comércio livre, de novos alinhamentos políticos, de novas formas de representação.
O problema reside em todos aqueles que ainda não entenderam ou não quiseram entender que o mundo não voltará ser como era. O problema é que o Governo insiste numa receita e as oposições noutras, embora nem uns nem outros (nem eu, não me tomem por presunçoso) conheçam a doença. O desafio é refazer as relações sociais num mundo diferente sem perder o essencial do que construímos. E o essencial são coisas simples de enumerar, mas difíceis de concretizar e preservar: em primeiro lugar a liberdade, ou melhor, as liberdades (política, sindical, de expressão, associativa, empresarial, de propriedade, etc.); em segundo lugar a justiça, a igualdade de todos perante uma lei efetiva e imparcialmente exercida; em terceiro lugar, a solidariedade ou o Estado Social, a rede de proteção aos mais fracos.
Não separo o mundo em bons e maus. Não acho que as preferências políticas (como as religiosas) separem os justos dos delinquentes. Existe à esquerda e à direita (assim como no Governo) quem defenda estes princípios; como existe, à esquerda e à direita (e não sei se no Governo), quem os ataca.
Hoje, acho eu, é um bom dia para pensar nisto
Sem comentários:
Enviar um comentário