Artigo de Alberto Gonçalves
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Por esta altura, todos ouviram falar na publicidade paga que Manuel Alegre fez em 2005 para o Banco Privado Português, sob a forma de um texto escrito e publicado nalguma imprensa. Sumariamente, o texto descreve o fascínio de Alegre pelas espingardas de marca Purdey e a melancolia de Alegre por o seu "vencimento" de deputado, "uma pelintrice" (sic), não lhe permitir a respectiva compra.
Vou tentar não estranhar o facto de um poeta de esquerda vender a lira a interesses capitalistas, para cúmulo comprovadamente dolosos. Ou o facto, lembrado por Teresa Caeiro, da eventual incompatibilidade entre a publicidade e o cargo parlamentar que Alegre então desempenhava. Ou o facto de um candidato presidencial que proclama "É preciso pensar nos pobres!" achar que o salário de deputado, umas sete vezes superior ao salário médio nacional e dez vezes superior ao mínimo, é uma miséria. Ou o facto de Alegre ser demagogo ou desastroso em contas, já que cinco mil euros mensais não o impediriam de, em suaves prestações, adquirir uma espingarda que, ao que vi na Internet, ronda os 15 mil (o preço de um carro pequenino). Ou o facto de Alegre ostentar uma memória em cacos, dado que sucessivamente negou o anúncio, o dinheiro recebido pelo anúncio e a utilização do dinheiro do anúncio.
O que é impossível de ignorar é o passatempo do homem. No texto em questão, Alegre refere com evidente desprezo os que ambicionam "carros e jipes de grandes marcas, casas de campo e de praia". Mesmo presumindo que Alegre não possui nenhuma dessas aberrações, não se percebe a superioridade moral de quem se contenta, coitadinho, com "um par de Purdeys".
Afinal, os carros e as casas a que a detestável burguesia concorre são produtos inofensivos: as armas, que aqui nem sequer visam a legítima defesa ou o tiro desportivo, nem por isso. Afinal, a "coragem" que Alegre passa a vida a reivindicar para a sua excelsa pessoa é a coragem dos que vagueiam pelas matas a matar bichos por mero gozo. Afinal, pelintra é a actividade a que dedica o seu ócio, e não a remuneração do seu, digamos, trabalho. O resto é lirismo
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