segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Legal, mas imoral, errado e injusto

Cito na integra o artigo de Nicolau Santos, publicado na última edição do Jornal Expresso.

"A recente decisão do Governo de alterar a remuneração dos Certificados de Aforro pode ser que seja legal - mas é imoral, errada e injusta. E, sobretudo, lamentável a todos os títulos.
Na verdade, um Estado que se financia junto dos contribuintes, através de um instrumento financeiro sujeito a determinadas regras definidas pelo próprio, regras essas que esse mesmo Estado muda a meio do jogo a seu bel-prazer e no seu interesse, tem um comportamento lamentável. A boa pergunta é: será que o Estado teria conseguido obter as poupanças que captou se não oferecesse as condições que agora modifica sem nenhum pudor? Será que com a remuneração que agora impõe, o Estado conseguiria que 719 mil portugueses lhe tivessem emprestado mais de €18 mil milhões?
Daqui decorre, obviamente, que esta medida é imoral e sublinha a ideia perigosa, que vai fazendo caminho, de que o Estado não é uma pessoa de bem, que não está de boa-fé e abusa do seu poder contra os cidadãos. E é penoso ver representantes do Ministério das Finanças a tentarem tapar o sol com a peneira, porque não há nada, nas novas regras, que jogue a favor dos aforradores: a taxa de juro é inferior (o rendimento das actuais séries A e B reduz-se entre 16 e 25%!), o mínimo de unidades a subscrever passou de duas para cem (!), o resgate deixou de ser feito quando o aforrador queria para ser obrigatório ao fim de dez anos, o prémio de permanência só é maior (2,5%) no décimo ano, quando agora chegava aos dois pontos logo ao fim de quatro anos e meio, em caso de renovação o prémio de permanência volta a zero...
Depois, esta medida é errada, porque o país precisa desesperadamente de aumentar a sua taxa de poupança no longo prazo - e sinais como este vão exactamente no sentido contrário. A mensagem é: não poupem, consumam ou façam investimentos especulativos! E também: não entreguem as vossas poupanças ao Estado! É preferível que o façam junto da banca privada! Veremos o que acontecerá quando o Estado necessitar de novos financiamentos...
Finalmente, esta medida é injusta, porque pune sobretudo pequenos aforradores, idosos, reformados, famílias sem conhecimentos para investir noutros instrumentos e que querem um rendimento, mesmo que baixo, mas sem risco. Agora, o que o Estado diz é que afinal não há investimento sem risco, mesmo que isso tenha sido garantido à partida pelo próprio Estado...
E não colhe o argumento de que cerca de 40 mil dos 719 mil subscritores do produto eram responsáveis por cerca de metade do investimento em Certificados de Aforro, sendo portanto cidadãos ricos deste país. Em primeiro lugar, para este Estado considerar alguém rico não é preciso muito... Depois, era sempre possível limitar o total de investimento por aforrador para impedir eventuais desvirtuamentos da ideia associada ao produto.
São argumentos risíveis para concluir o óbvio: o Estado, através deste Governo, queria baixar o seu custo de financiamento através dos Certificados de Aforro. E assim não teve pejo em rasgar um compromisso que tinha com 719 mil portugueses, muitos dos quais de reduzidas posses. Com isto, vai poupar cerca de €160 milhões ao ano. Pelos vistos, é esse o valor que este Governo atribui ao bom nome do Estado."






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