quarta-feira, 23 de agosto de 2017

A Ideologia Do Género… Estúpido


Artigo de Henrique Monteiro no Expresso Diário
Confesso-me pecador e além do mais ignorante, sem capacidade para atingir as altas escarpas intelectuais daqueles que defendem a ideologia do género. Sou do género estúpido. Posto isto, e na minha qualidade, que é tão intocável como a de outro género qualquer, seja LGBTIQ+ e o que mais quiserem pôr, nasci menino e fui educado como menino. Naturalmente essa repressão feroz exercida pela família, sociedade e escola, fez-me desembocar, com o passar dos anos (mais de 60), num velho pai e avô heterossexual. Como já devem ter percebido por aquilo que aqui escrevi (mas que eu, como estúpido, não tenho a certeza) sou, quase certamente homofóbico, racista, xenófobo, chauvinista e, claro, fascista.
Uma das coisas que mais me espanta é ter descoberto, através de um pensador brasileiro, seguidor de Judith Butler, que os defensores da ideologia do género não negam a biologia. “Eu nunca li nenhum autor de estudos de género negar a biologia”, afirma o nosso irmão brasileiro, sublinhando que sabem que os órgãos são diferentes, assim como o sistema reprodutivo e tudo isso é diferente. O que os estudos de género dizem, insiste o moço, “é que essas características não determinam quem somos ou quem devemos ser”. Foi um momento de alívio. Por momentos, pensei que o meu órgão sexual tinha sido colado ou cosido pela família, escola ou sociedade. Não, nada disso! Nasci mesmo com ele.
Mas, se nasci com ele, não sou determinado por ele. Posso ser mulher e escolher um nome de mulher, andar vestido de mulher e sentir-me mulher. Calma… Isso não será uma disfunção, pergunta o estúpido? Nada disso. O que acontece, diz Judith Butler é que todo o rapaz efeminado ou toda a rapariga máscula sofre bullying da sociedade, da escola e da família, de modo que são ameaçados com psiquiatras, como se não fossem normais. Por isso mesmo, a escola e a medicina, por exemplo, tudo devem fazer para não distinguir um sexo do outro (a questão da ginecologia e da urologia torna tudo um pouco mais difícil, mas adiante).
“O género – insiste Butler – é formado culturalmente, e também uma imposição à nossa liberdade. É principalmente importante resistir (e legislar, acrescento eu) a todas as formas que querem restringir o nosso género ao nosso sexo.” Por isso mesmo, ainda hoje, ativistas desta magna questão acusavam a Porto Editora do crime de ter livros para meninos e para meninas. Uns azuis e outros cor-de-rosa. Querem maior atentado ao género? Saltaram os e as especialistas em discriminação a explicar a gravidade do feito. Infelizmente, a nossa Comunicação Social esqueceu-se de perguntar a outros sectores, com outras opiniões, qual a razão do êxito dos livros. Até porque a Editora, não seguindo as orientações de uma muito democrática ex-professora que proclamou que tais livros destinados a crianças dos 4 aos 6 anos deviam ser imediatamente retirados do mercado, insiste em vendê-los e diz que não há discriminação nenhuma.
O estúpido, claramente estúpido, pensava que bastava não discriminar. Que a sociedade, a família e a escola respeitassem e ensinassem a respeitar o sexo e as opções ou tendências de cada um (ontem mesmo uma secretária de Estado declarou-se homossexual com toda a dignidade).
Infinitas famílias, meus irmãos, sendo que a família, tal como o Natal, é o que e quando um homem (perdão: um ser, ou uma pessoa) quiser
Mas não – agora que aprendi uma lição com os que chamaram machista a Chico Buarque (autor de algumas das melhores canções em que a primeira pessoa é uma mulher) – percebo que não basta não discriminar. É preciso impor às escolas que deixem de olhar para as crianças como se elas fossem meninos ou meninas e passá-las (ou melhor, passá-l@s, porque não interessa o género) a ver como seres totalmente iguais (há ainda por fazer a discussão sobre se as casas de banho devem manter o estereotipo, sendo ou para homens ou para mulheres, não integrando a vasta paleta entre os dois géneros, mas adiante).
A família é outro dado. Asseguram-me as altas inteligências que a ideologia de género não quer acabar com elas. Quer que elas sejam tantas quantas as possibilidades. Infinitas famílias, meus irmãos, sendo que a família, tal como o Natal, é o que e quando um homem (perdão: um ser, ou uma pessoa) quiser.
Naturalmente, até o estúpido o reconhece, há um cruzamento entre o sexo biológico e as opções ou tendências sexuais de cada um que nem sempre são coincidentes (e são algo do foro íntimo que não deve ser legislado, salvo no que respeita ao princípio da não discriminação). Coisa diferente é querer impor uma ideologia que defende que cada ser do género humano, que nasce biologicamente homem ou mulher, possa definir-se sem interferência dos modelos tradicionais. Esses modelos, ainda que sejam construções sociais, são construções sociais naturais - e não impostas por escolas, famílias ou instituições, mas pela evolução de milhares, senão milhões de anos. A cabeça das luminárias parece pretender que o mundo começou há 10 anos.
O problema é que em muitos países esta ideologia de género é imposta pelo Estado. Ora, os seres humanos nascem com sexo biológico (os transtornos hermafroditas são raríssimos), não nascem com género, como as palavras. E, por falar de palavras, essa ideologia altíssima quer dominar-nos através delas. Através da arroba (@) para colocar os dois géneros em palavras que por vezes só têm um (presidente, estudante, contente, etc.). Através do que se pode dizer e não dizer sobre as chamadas minorias, ou sobre o que for. Para dizer que Chico Buarque, por ter escrito numa canção recente: “Quando o teu coração suplicar / Ou quando teu capricho exigir / Largo mulher e filhos /E de joelhos te vou seguir” revela que ele ainda está nos anos 70, preso na “assimetria de papéis entre homens e mulheres”, como escreveu um cronista em “O Globo”.
Enfim, já me confessei estúpido, mas ainda vou percebendo algumas coisas das que nos andam a fazer.
 


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