Artigo de Alberto Gonçalves
Sem pompa nem circunstância, encerraram os Centros Novas Oportunidades. As NO
responderam às carências do País em matéria de certificações sem responder às
carências do País em matéria de aprendizagem. Ou seja, as pessoas entravam
formal e tecnicamente desqualificadas nos espaços de formação e, decorridos
meses, deles saíam apenas tecnicamente desqualificadas. Pelo meio, a troco de
"histórias de vida" e conversa fiada, ganhavam um papel que lhes garantia a
posse do 9.º ou do 12.º ano. Mil e oitocentos milhões de euros depois, 400 mil
portugueses são os confusos proprietários do tal papel e os candidatos ao
desemprego ou a profissões desvalorizadas que sempre haviam sido. Ao contrário
do que alguns charlatães chegaram a afirmar, criticar as NO não significava
insultar os incautos que por elas passaram: ao arregimentar incautos para
efeitos de propaganda, as NO eram o insulto. E a abolição de um insulto é uma
boa notícia.
Estranhamente, essa notícia não mereceu os festejos suscitados por uma
segunda notícia feliz e quase simultânea, a da demissão do ministro Miguel
Relvas, que obtivera uma licenciatura à custa do exacto tipo de equivalências
imaginárias que fundamentavam as NO. Mais estranho é que muitos dos que
defendiam as NO sejam os mesmos que, com alguma razão e escassa legitimidade,
acharam o processo do "dr." Relvas um atentado à democracia. Se o processo do
"dr." Relvas é misterioso, não se compara ao mistério das reacções que
fomentou.
Uma reacção típica consistiu em afirmar que a demissão pecou por tardia. Nada
a obstar: por lealdade, necessidade ou pura dependência, o dr. Passos Coelho
deixou que os estragos provocados pelo currículo "académico" do "dr." Relvas se
prolongassem indefinidamente, com custos que o Governo dispensava. Apesar disso,
o "dr." Relvas lá acabou por sair, o que nem sempre se pode dizer de governantes
com licenciaturas igualmente duvidosas que se agarraram ao poder e sobreviveram
à revelação das trapalhadas universitárias.
Outra reacção à saída do "dr." Relvas indigna-se com Nuno Crato, que
alegadamente guardou por dias ou semanas o relatório da Inspeção-Geral da
Educação e Ciência acerca do famoso canudo. Os indignados esquecem-se de que é
inédito um ministro concordar com uma decisão que coloca em causa um seu colega.
Sobretudo esquecem-se de que o antecessor desse ministro contemplou indiferente
uma aldrabice similar à do "dr." Relvas (indiferente, vírgula: fechou a
universidade em questão sem beliscar os respectivos beneficiados).
Uma terceira reacção trata de esclarecer que o "dr." Relvas não era, cito,
"um ministro qualquer", logo a confirmação das habilidades praticadas na
Lusófona abala gravemente o Governo. Acho óptimo que abale, ainda que ache
esquisito o facto de governos anteriores escaparem ilesos à revelação de
habilidades semelhantes praticadas por um membro que também não era um ministro
qualquer: era o primeiro.
Entre as donzelas ofendidas com a novela do "dr." Relvas há inúmeras
galdérias em novelas passadas. Hoje, puxam da virtude com o zelo com que ontem
disfarçavam o vício. Levá-las a sério é reduzir Portugal a uma anedota. Como o
"dr." Relvas, mas não só o "dr." Relvas.
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