Artigo de Alberto Gonçalves
Na semana passada, constatei aqui o débil currículo das selecções e dos
atletas portugueses em competições desportivas internacionais, olímpicas ou não.
Estranhamente, alguns leitores imaginaram que eu exigia dessas selecções e
desses atletas esforço e vitórias, coisa que nunca me passou pela cabeça. Quando
se diz que um triciclo tem três rodas, não se reivindica necessariamente que
passe a ter quatro ou dez. O facto de o país ser fraquinho no desporto não me
incomoda nem implica que seja fraquinho naquilo que realmente importa, da
política à economia, da ciência à indústria, da educação à justiça. Por acaso,
Portugal também é deplorável nas áreas citadas, mas estas não beneficiariam
muito se a delegação pátria saísse de Londres vergada ao peso das medalhas. Não
há ouro, prata ou bronze que compensem o atraso.
Perder medalhas não dói nada e não custa nada (excepto subsídios públicos e
trocos avulsos). O que custa e dói é ganhá-las, no sentido em que dá um
trabalhão a quem as alcança e no sentido em que somos obrigados a sofrer os que
delas se aproveitam. Cerca de quinze segundos após uma dupla de remadores chegar
ao segundo lugar nos JO, Miguel Relvas mandou divulgar um comunicado eufórico,
no qual lembra que "Portugal acaba de registar uma das suas melhores proezas de
sempre no campo desportivo, a nível internacional", explica que a medalha de
prata "culmina um trabalho profícuo desenvolvido ao longo de anos por atletas e
dirigentes federativos para valorizar e prestigiar o desporto português" e
espera que o feito "constitua um estímulo suplementar ao fomento da prática
desportiva entre os jovens, na certeza de que o desporto, nas suas diversas
modalidades, constitui uma exemplar escola de cidadania".
Dado que a escola do sr. Relvas foi a Lusófona, aliás em registo imensamente
mais veloz do que o dos remadores em questão, o comunicado dispensa
considerações. De qualquer modo, com ou sem ou o popular ministro maçon (passe a
redundância), não saímos disto: da perpétua e fraudulenta ilusão de que os
triunfos no estádio (ou, no caso, na água) traduzem a excelência no resto.
Se traduzissem, a solitária medalha do remo indiciaria a mediocridade
nacional e aconselharia os governantes ao silêncio. Como não traduzem (ver,
sff., o palmarés de Irão e Coreia do Norte), a mediocridade continua indiferente
aos eventos londrinos. As conquistas desportivas esgotam-se em si mesmas e não
são propícias a extrapolações, excepto, claro, às extrapolações da propaganda,
que estadistas formados literalmente à pressa usam para entusiasmar pasmados e
envergonhar os demais.
Em circunstâncias ideais, acharia certa graça a que os meus compatriotas
terminassem os Jogos com cem medalhas e 50 recordes do mundo. Em Portugal, onde
o único recorde batido regularmente é o do descaramento, só pensar nisso, ou nas
consequências disso na retórica dos políticos, arrepia. Uma medalha já peca por
excesso. Dos males, porém, o menor: o nosso absoluto azar ao jogo ainda é a
nossa relativa sorte.
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