quinta-feira, 19 de maio de 2011

Poderoso E Primitivo

Artigo de Maureen Dowd - Pulitzer em 1999 - (versão original aqui)
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Oh, ela é que quis. Estava mortinha por isso. Isso é o que qualquer jovem viúva temente a Deus, que se mata a trabalhar para sustentar a filha adolescente com um emprego de escrava num hotel em Times Square, justificando o seu estatuto de imigrante e aproveitando as oportunidades oferecidas pela América quer: um sátiro velho e gordo, enlouquecido pelo cio, que invista sobre ela ao sair nu da casa de banho e a arraste pelo quarto de hotel como um homem das cavernas.
A reputação do francês Dominique Strauss-Kahn como sedutor, casado pela terceira vez, perde de certa forma com a tradução. De acordo com a empregada africana de 32 anos, o que aconteceu na suíte do hotel Sofitel, que tem uma diária de 3 mil dólares, nada teve a ver com sedução. Se o que ela diz é verdade, o que Strauss-Kahn fez foi uma violação.
Estaria o líder do Fundo Monetário Internacional a dizer aos outros países que apertassem o cinto ao mesmo tempo que desapertava o dele?
Os advogados do francês de 62 anos, que era a aposta do Partido Socialista francês contra Nicolas Sarkozy, nas eleições do ano que vem, parecem na disposição de pôr em causa as provas de ADN argumentando que o sexo com a empregada que entrou para fazer a limpeza foi consensual. Será que vão argumentar que ela ficou louca de desejo depois de perceber que Strauss-Kahn tinha estado em Davos?
Jeffrey Shapiro, o advogado da empregada, protestou energicamente que não houve "nada, mas nada" de consensual no que aconteceu e que foi mais uma coisa do estilo "anda cá ver o meu fundo monetário".
"Ela não passa de uma empregada que entrou num quarto para fazer a limpeza", disse Shapiro ao "The Times". Este classificou a mulher do Bronx como "uma muçulmana muito devota e digna" que "nem sequer sabia quem era aquele tipo" antes de o ter visto no noticiário.
Os defensores franceses de Strauss-Kahn têm invocado teorias da conspiração tresloucadas que fazem pensar nas dos paquistaneses em relação a Bin Laden. Alguns chegam a sugerir que DSK foi vítima de uma armadilha preparada por Sarkozy.
Bernard-Henri Lévy, amigo de Strauss-Kahn, diz-se indignado por o ver retratado como um "animal malévolo e insaciável". Escreveu no "The Daily Beast": "Seria bom saber - e o mais cedo possível - como pode uma empregada de hotel ter entrado sozinha - ao contrário do que é habitual nos grandes hotéis de Nova Iorque, que mandam uma "brigada de limpeza" de duas pessoas - no quarto de uma das figuras públicas com maior visibilidade no planeta." Teve a decência de não mencionar Dreyfus. Ao longo de vários anos fiquei muitas vezes no Sofitel e noutros hotéis de Nova Iorque e nunca vi nenhuma "brigada", só empregadas isoladas.
Em Washington começaram a chamar à rua que separa o FMI e o Banco Mundial, onde Paul Wolfowitz perdeu o emprego em consequência de uma rebaldaria financeira com a namorada, o Boulevard do Mau Comportamento.
Estas duas instituições têm o privilégio globalmente reconhecido de pregar sermões ao resto do mundo acerca de disciplina e liberdade, quando é o Ocidente que é culpado de comportamento leviano e irresponsável. Primeiro em matéria de dinheiro e depois de sexo. Gente que nem sequer consegue manter as calças vestidas, mas que dá sermões aos outros.
Enquanto os franceses se queixavam do sistema de justiça americano - desencorajando as fotos de Strauss-Kahn algemado, ilegais em França - os americanos orgulhavam-se das imagens que indicam que será feita justiça independentemente da riqueza, da classe e de outros privilégios.
É inspirador que nos Estados Unidos mesmo uma empregada de hotel tenha dignidade e seja ouvida quando acusa um dos homens mais poderosos do mundo de ser um predador sexual (uma queixa que já fora feita contra ele, com um padrão semelhante de comportamento brutal).
A jovem escapou a horrores na Guiné, onde nasceu, numa sociedade patriarcal em que a violação é generalizada e usada como arma de guerra, e onde teria sido atirada para uma valeta se se atrevesse a desafiar um homem poderoso. Quando enfrentou o mesmo horror aqui, teve um recurso.
Houve outro europeu famoso com um comportamento sexual agressivo que se meteu em sarilhos com a criada esta semana, o ex-governador da Califórnia, eleito depois de a mulher, Maria Shriver, o ter defendido eloquentemente contra acusações de assédio. Arnold Schwarzenegger é igualmente culpado da imposição insolente do poder masculino. Mais que ser apanhado numa infidelidade, o "Esperminator" foi apanhado a mentir e a comportar-se como um porco. Teve um filho com uma empregada mais ou menos na mesma altura em que Maria teve o filho mais novo dos dois, agora com 13 anos. Manteve-a como empregada e de vez em quando até trazia o filho de cuja existência Maria não sabia lá a casa. Não admira que a mulher tenha fugido para um hotel de Beverly Hills.
É difícil não ficarmos fascinados com a contradição entre o comportamento primitivo de tanta gente cosmopolita, poderosa e poliglota. Só que a civilização e a moralidade não têm nada a ver com sofisticação e estatuto social. A lição a retirar da queda destes dois grandes do mundo, como Bill Maher disse a Chris Matthews, é que, "se quiser levar a criada para a cama, espere que ela diga que sim".

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