quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Acabar Com O Euro? Não O Façam

Versão portuguesa, para um artigo originalmente publicado no The Economist
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Os mercados obrigacionistas desdenharam os €85 mil milhões de apoio financeiro à Irlanda, decidido em 28 de novembro. Os juros aumentaram não só para a Irlanda mas também para Portugal, Espanha, Itália e até mesmo para a Bélgica. O euro caiu de novo. Como a um resgate fracassado se segue outro, as garantias solenes dos líderes da União Europeia de que a extinção da moeda única é impensável e impossível perderam o seu poder de persuasão. E isso leva muitos a questionar se o euro pode sobreviver.
O argumento em seu desfavor é que os cidadãos europeus já não podem viver sob o seu jugo. Na periferia da Europa, alguns anseiam por ser poupados aos anos de severa austeridade que possam ser necessários para os salários e os preços se tornarem competitivos. No núcleo dominado pelos alemães, estes estão fartos de pagar pela "irresponsabilidade" dos outros países e temem que, como credores, venham a sofrer se o Banco Central Europeu (BCE) reduzir o valor real das dívidas dos atrasados. Lá no fundo esconde-se a arreliadora suspeita de que este é um drama que a zona euro pode ser condenada a reviver uma e outra vez. Então, porque não sair agora?

A rocha e o lugar difícil

A história financeira está cheia de eventos que passaram do impensável para o inevitável a uma velocidade estonteante: a Grã-Bretanha deixou o padrão ouro em 1931, a Argentina abandonou a sua indexação ao dólar em janeiro de 2002. Mas um colapso do euro iria acarretar custos técnicos, económicos e políticos sem precedentes.
Esse colapso poderia ocorrer de duas maneiras. Um ou mais membros fracos (Grécia, Irlanda, Portugal, talvez a Espanha) podiam sair, presumivelmente para desvalorizar a sua nova moeda. Ou uma Alemanha saturada, a que se juntariam possivelmente a Holanda e a Áustria, poderia decidir desembaraçar-se do euro e restaurar o marco alemão, que então se valorizaria.
Em ambos os casos, os custos seriam muito pesados. Para começar, as dificuldades técnicas de reintrodução de uma moeda nacional, a reprogramação de computadores e máquinas de venda automática, a cunhagem de moedas e a impressão de notas seriam monstruosos (foram necessários três anos de preparação para o euro). Qualquer sugestão de que um país fraco estaria prestes a sair levaria a uma corrida aos depósitos, enfraquecendo ainda mais bancos em dificuldades. Isso resultaria em controlos de capital e talvez limites para levantamentos bancários, que por sua vez estrangulariam o comércio. Os que saíssem veriam cortado o financiamento externo, talvez durante anos, privando de alimento as suas economias de fundos.
O cálculo seria apenas ligeiramente melhor se o fugitivo do euro fosse a Alemanha. Novamente, isso conduziria a falências bancárias na Europa, com os depositantes a fugirem dos países mais fracos, levando à reintrodução dos controlos de capitais. Mesmo se os bancos alemães ganhassem os depósitos, os seus grandes ativos da zona do euro seriam desvalorizados: recorde-se que a Alemanha é o maior credor do sistema. Por último, os exportadores alemães, tendo sido os grandes beneficiários de uma moeda única mais estável, rugiriam de indignação ao verem-se de novo a braços com o marco em forte subida.
Se os aspetos económicos do estraçalhar do euro parecem questionáveis, os riscos políticos da detonação de uma reação em cadeia ameaçariam a estrutura do mercado único e da própria UE. A União Europeia e o euro foram os pilares da Alemanha do pós-guerra. Se esta abandonasse a moeda, com um custo enorme, e deixasse o resto da zona euro a defender-se sozinha, graves dúvidas surgiriam relativamente ao seu empenhamento na UE.
Se um país mais fraco saísse, pondo em risco não só os bancos europeus mas também a moeda, passaria a ser considerado um pária que exportava os seus males para os vizinhos. A partir do momento em que os controlos de capital fossem instaurados, os mercados financeiros da Europa ficariam em frangalhos e seria difícil manter o comércio transfronteiriço europeu. O colapso do mercado único, que tem feito mais do que qualquer outra coisa para unir a Europa, poria em risco a própria UE.
Mesmo que haja países que agora lamentem a adesão ao euro, deixá-lo não faz sentido. Mas o facto de dever sobreviver não significa que o consiga. E se os líderes europeus não forem mais longe e mais depressa, talvez não.

A recuperação da moeda única

Os líderes europeus foram lentos e tímidos na resposta às pressões do mercado. A Grécia e agora a Irlanda forçaram-nos, relutantemente, a apoios financeiros. Só tardiamente é que reconheceram que alguns países não necessitam apenas de empréstimos de curto prazo para remediar uma situação, mas que poderão ser incapazes de pagar as suas dívidas. Isso significa que um pouco de dor terá de ser infligida aos titulares de obrigações.
Isso será mais fácil de realizar agora que os Governos da zona euro concordaram que as emissões da dívida soberana a partir de 2013 devem conter cláusulas de ação coletiva, que impeçam que os investidores retenham e bloqueiem contratos. Os irlandeses já impuseram 'margens' aos titulares de dívida subordinada nos seus bancos, apesar de serem impedidos de o fazer para os detentores sénior de obrigações. Um tal discurso é inevitavelmente impopular nos mercados. Contudo, é possível que se verifiquem prejuízos se os investidores fizerem distinção entre os emissores de dívida soberana.
A crise deve igualmente ter levado para os países deficitários o custo elevado da sua incapacidade em realizar as reformas dos mercados do trabalho, dos produtos e dos sistemas de proteção social necessárias para restabelecerem a sua competitividade perdida. Mesmo que deixassem o euro, teriam de tomar essas medidas para sobreviverem. A reforma em si não só relançaria as economias moribundas, mas também criaria a possibilidade de crescimento futuro para salvaguardar a moeda única. A reforma seria mais fácil se os países excedentários (ou seja, a Alemanha) fizessem mais para estimular a sua própria procura interna.
Finalmente, se o euro quiser sobreviver, os países credores têm de fornecer mais ajuda aos países deficitários. Poderiam fazê-lo diretamente, ou o BCE poderia fornecer liquidez aos bancos ou comprar obrigações do Estado antes de caírem mais longe. Já indicou que poderia iniciar esta última hipótese de novo. A Alemanha detesta a ideia de uma ajuda mais importante aos países devedores, daí a sua lentidão em aceitar que sejam prestados apoios financeiros e a sua determinação em penalizar os titulares de obrigações. A sua recusa em subsidiar os mais fracos e esbanjadores é compreensível, mas a alternativa é pior.
A extinção do euro não é impensável, apenas custa muito caro. Porque recusam enfrentar a hipótese de isso poder acontecer, os dirigentes europeus não conseguem tomar as medidas necessárias para o prevenir.

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