quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Em Lume Muito Brando

Um editorial de Henrique Monteiro, publicado no Jornal Expresso
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As perguntas básicas são, por vezes, as mais incómodas. Procurámos saber quantas pessoas foram ouvidas ao longo destes quatro anos de investigação ao caso Freeport. A resposta, tanto quanto conseguimos apurar do complexo sistema que governa a nossa Justiça, é: seis pessoas. Depois, tentámos saber qual o prazo em que, de acordo com a lei, deve estar concluída essa investigação. E a resposta é ainda mais surpreendente: não há prazo! Seria obrigatório, caso estivesse alguém detido, mas como tal não acontece e oficialmente não há sequer suspeitos o prazo não existe.Eu peço perdão pela ousadia de quem não percebe nada de Direito e menos ainda de Processo Penal, mas tudo isto me parece estranho. Estranho porque, perante uma denúncia vinda, aparentemente, de uma carta anónima, não se ouviu ninguém verdadeiramente ligado ao Freeport, nem aos intermediários. Estranho porque, apesar das buscas ao senhor Júlio Monteiro e dos mails trocados entre os intermediários da Smith&Pedro e a sede da Freeport, nem o senhor Monteiro, nem o senhor Smith, nem o senhor Pedro, nem muitos outros senhores foram ouvidos. E menos ainda aquele sobre quem se lançou a suspeita, o ex-ministro do Ambiente e actual primeiro-ministro.Não foram ouvidos, mas - a crer nas palavras de ilustres procuradores - podem vir a sê-lo a qualquer momento. Quando? Bem, não há prazo!Por isso, sobre um cidadão pode recair uma eterna suspeita (e já ouço o riso superior dos magistrados dizendo-me que não há suspeitos). Claro que, tecnicamente, não há; mas é mais do que evidente que os há - e bastantes - de facto. Este é o tipo de coisas que nos fazem desconfiar da Justiça e pensar que, por vezes, ela se assemelha demasiado a um processo da Inquisição.Como nos processos do Santo Ofício, se não se souber com precisão do que somos acusados, podemos ser suspeitos de tudo e de mais alguma coisa. Se não existe um prazo, o processo pode ser atiçado à medida do desejo do inquisidor.Desta forma hábil, o processo torna-se uma arma política que pode durar tanto quanto se quiser. Estará sempre pronto a ser abafado ou a ser reavivado, consoante a vontade de alguém. Enquanto não houver prescrição do eventual crime, o processo está sempre ali à mão, disponível para ameaçar culpados ou para espalhar lama por inocentes, de preferência em momentos-chave.Sem pressa nenhuma... porque também não há prazo.

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