A chamada lei da limitação dos mandatos autárquicos, cujo espírito ninguém
percebeu ou percebe, é bastante discutível. O resultado não se discute: há
poucas democracias tão exóticas quanto a nossa. Basta assistir à quantidade de
autarcas que, chegados ao limite de reeleições no seu poiso de longos anos, vão
literalmente pregar para outra freguesia ou, para ser exacto, município. Basta
notar os escrúpulos com que a classe política se eximiu de produzir um
esclarecimento definitivo - ou provisório, vá - sobre o assunto. E basta, por
fim, constatar a pluralidade de interpretações que os tribunais dedicam a cada
caso, de acordo com a instância, a geografia ou a preferência.
Mas se se fala imenso dos autarcas espertalhões, fala-se estranhamente menos
dos autarcas que acumulam a esperteza com a preguiça, leia-se aqueles que não só
insistem em recandidatar-se após cumprirem três mandatos consecutivos como
insistem em fazê-lo no concelho original. O processo é simples: escolhe-se um
verbo de encher (diplomaticamente: um "delfim", ou uma "jovem promessa") que
concorra à câmara no lugar do ex-presidente enquanto este desliza para a
Assembleia Municipal e manipula daí os cordelinhos. De norte a sul, o arranjinho
traduz-se em diversos cartazes, nos quais o retrato do chefe ensombra o do verbo
de encher. Sem novidades, o arranjinho também já divide a jurisprudência.
Não falha. Entre nós, as intenções sinceras ou simuladas de democratizar o
Estado terminam em estado comatoso. A regionalização, abençoadamente enxotada,
abriu o apetite de uma vasta estirpe de caciques. As candidaturas independentes,
idealmente destinadas à abertura à "sociedade civil", limitam-se por regra a
amparar o refugo partidário. E as limitações dos mandatos deram nisto. Eis o
famoso desenrascanço pátrio. A pátria é que assim não se desenrasca.
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