Um novo programa da RAI está a causar indignação um pouco por toda a Europa.
Chama-se Mission e pretende pôr oito "famosos" italianos durante duas semanas em
campos de refugiados de Mali, Sudão e Congo, de modo a "sensibilizar Itália"
para a fome e as migrações em massa. E a organização não-governamental
Solidarietà e Cooperazione CIPSI é apenas uma das que já recorreram à expressão
"pornografia humanitária", contestando o facto de o ACNUR, de António Guterres,
ter-se associado à iniciativa.
Não vejo porquê. A "pornografia humanitária" é óbvia, claro. Mas anda aí há
anos. Por todo o mundo, meninas bonitas aproveitam-se da UNICEF para promoverem
as carreiras na televisão, músicos rock usam causas políticas para acederem à
short list do Prémio Nobel, médicos pegam na notoriedade obtida à frente de
projetos filantrópicos e candidatam-se a presidências da república, vizinhos
nossos batem no peito porque às sextas-feiras à noite, mui bem-aventuradamente,
distribuem sopa aos pobres.
Cinismo da minha parte? Sim. Há gente para quem exercer a bondade é um gesto
efetivamente gratuito. E, no entanto, eu posso ser ainda mais cínico - e posso
sê-lo, por exemplo, defendendo Mission. Defendendo até as meninas, os músicos,
os médicos e os vizinhos que fazem o bem.
Na verdade, esta espécie chegou a uma tal esquizofrenia autolegitimadora, a
uma tal voragem egocêntrica, que o melhor, mesmo, será aprendermos a tirar
proveito delas. Venha, pois, o reality show. Pode ser que alerte. O Bem como
efeito colateral do Mal já não é mau de todo. Assim como assim, toda a caridade,
hoje, é de algum modo pornográfica. E nós devemos tanto à
pornografia...
Sem comentários:
Enviar um comentário