quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Liberdade Respeitosa

Artigo de Henrique Raposo
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Um espectro assombra Portugal: a 'liberdade respeitosa'. Não, a expressão não é de Salazar, mas sim do nosso glorioso líder, José Sócrates. Mas o que é isso de 'liberdade respeitosa'? Bom, no "Público", ocorreu um caso que exemplifica, na perfeição, o modus operandi desta empoeirada e mui socrática 'liberdade respeitosa'. Na crítica a um concerto rock no estádio do Restelo, João Bonifácio afirmou que o público do dito concerto fazia lembrar os jogos do Belenenses: "foi a festa possível e foi escassa como os fins de tarde futebolísticos no Restelo costumam ser". Perante esta ironia certeira, os fãs da banda e os adeptos do Belenenses enfureceram-se. Juntos, fãs e adeptos, entupiram o site do "Público" com insultos e ameaças infantis do estilo "enquanto esse senhor escrever aí, não compro mais o jornal". Ora, é isto que se esconde atrás do biombo salazarista da 'liberdade respeitosa': a incapacidade para encaixar uma sátira dirigida a algo que se aprecia. Mas o pior é que o "Público" caucionou esta maneira de pensar. Perante a saraivada de insultos, Nuno Pacheco, director-adjunto, pediu desculpa ao Belenenses. Isto é inacreditável. Um jornal de referência curvou-se perante um batalhão de sisudos internautas. O "Público", como grande jornal que é, não pode ceder à chantagem do submundo da internet. Se o Expresso respeitasse a 'liberdade respeitosa', eu teria de pedir desculpa aos católicos, aos comunistas, a Sócrates, ao PSD, ao BE, à Quercus e aos ursos polares. Como está bom de ver, este critério impediria qualquer tipo de pensamento livre. Se a 'liberdade respeitosa' fosse o livro de estilo a seguir, passaríamos a escrever como robôs, debitando apenas áridas descrições. Em vez de usarmos metáforas e outras figuras de estilo, teríamos de escrever assim: "estão 678 pessoas no Restelo, faz frio, e o Belenenses perdeu com o Condeixa-a-Nova". Ou assim: "José Sócrates veste Armani, e é mal-educado para os jornalistas". E, depois, mais dia, menos dia, entraríamos na terceira fase da 'liberdade respeitosa'. Os idiotas da objectividade não se contentariam com a anulação das metáforas e com a imposição da descrição robótica. Não. Também seríamos forçados a inventar factos. Teríamos de escrever assim: "o Belenenses é o maior clube do mundo, e perdeu com o Condeixa-a-Nova porque o árbitro era o João Bonifácio". Ou assim: "José Sócrates é o maior líder do mundo, e é mal-educado para os jornalistas porque os jornalistas fazem perguntas". As caixas de comentários da internet são sacos de lixo. Aquilo que aparece nas caixas de comentários está ao nível das paredes das casas de banho públicas. Ou seja, a tal 'democracia virtual' cheira muito mal. É por isso que o pedido de desculpas do "Público" é preocupante. É esta a imprensa do futuro? Iremos escrever sob o jugo dos comentários anónimos da internet? No futuro, a qualidade da opinião do jornal impresso estará prisioneira da quantidade de insultos oriundos da internet? Isso seria péssimo. Isso representaria o triunfo da 'liberdade respeitosa', essa coisa que não entende o seguinte: a quantidade de insultos está directamente relacionada com a qualidade do texto. Um bom texto provoca insultos porque toca nas feridas que doem. Escrever, meus amigos, não é dar palmadinhas no ombro do leitor. E um cronista que não recebe insultos é um idiota.

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