quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Poema - Poema de Natal

Passaram-se os dias de festa
E o que resta do espírito natalino...

O menino Jesus volta a crescer mendigo
Sem amigos que o entendam, provavelmente...
Sai do berço e volta à cruz gemente,
estranho e distante.

Passou o Natal...
Passou o Ano Novo...

E o encanto dos presentes fica por conta
Da confraternização...
O pobre sentiu-se feliz,
O rico sentiu-se humano
(e todos se enganaram novamente)

É o novo calendário...
É a fantasia!
Mas não muda a realidade
Não muda a crueldade
Não muda a bondade...
Os homens são os mesmos
Os seres são os mesmos
Os pobres são os mesmos
Os ricos são os mesmos
(o governo é o mesmo)

Resta, desconhecida, a energia da Fonte,
Resta, desconhecido, o calor e o brilho da luz:
O Espírito está Vivo mas, resta desconhecido!
E a sua força do bem querer
E a sua força do bom ânimo que se irradia...

E a força humana desta divina alma humana
Ainda exala perfume e poesia...

Passaram-se as festas:
O Natal, o Ano Novo, o engano!

Mas, resta ainda algo de bom em nós...
Resta uma pequena brasa de calor humano
Resta um pirilampo de sinceridade
(alguma coisa que não seja engano)

Quem sabe não seja a consciência
De que após o Natal houve festa de demônios
Festejando as almas das crianças de Herodes?
(festejando as almas das crianças de Nicolau?)
Que houve fuga, e solidão, e tristeza...

Que o menino cresceu no tédio de calar-se sempre,
De distanciar-se sempre, de chorar sempre...
...ao ver a pobreza, e a miséria sempre,
E a maldade sempre, e a angústia sempre...
E ainda ir só à cruz, e só tornar-se um estranho "Cristo",
Oscilando entre uma manjedoura de plástico e uma cruz romana...

Onde está o filho de Mirian?
Onde está o jovem barmitzvá?
Onde está o mestre, o rabi e o profeta?
-perdido entre os fios de barba branca e plástica...
-perdido e entregue à cruz pelos seus algozes, perpetuamente...

Quem sabe, não seja a necessidade e o acaso?
Quem sabe, não seja o tempo e o espaço?
...e, sem razão, gritos que atravessam a noite?

Quem sabe não seja a consciência
De que nada podemos esperar de novo
Senão de nós mesmos, e das nossas mãos,
E dos nossos atos, e da nossa alma

Fernando Pessoa

Sem comentários: