Parte I
Da estante
ela tira um livro de Wallace
lê-o em camara lenta
como um filme de Oliveira
E pensa que nada será melhor
tal como um peixe no isco
do grande oceano
sem controlo
A pose diletante
o cheiro a menta
dos cigarros Dunhill
absorvem a sua dor
Nada mudará
o seu problema existencial
e o seu nome num ficheiro policial
e a cara no chão
O que ontem era mau
é hoje pior
nada vale apena
é tudo dor
A pose de mulher fatal
é apenas fingida
a dor
segue-se á ferida
Tudo
mas tudo
será atirado para trás
a guerra foi perdida
Farta de noites mágicas
de ordens avulsas
de cenas trágicas
e de constantes repulsas
Ela terá a chave
para abrir ou fechar
a porta
mas é tarde demais
E um dia
quando ela partir
colocarei uma flor
na sua campa
Á sua memória
também eu posso tombar
porque a dor
não tem eleitos
e tal como ela
sou um renegado
Parte II
Os seus olhos castanhos
estão dilacerados
não consegue dormir
e fechar os olhos inchados
Pela janela
vê o mundo exterior
e sente a insónia
e sonhos tamanhos
É mais fácil
vir
do que ir
e perder a dor
Em pensamentos profundos
reflecte
sobre este e outros mundos
onde estará sempre sozinha
E lê mais um livro de Wallace
tirado da estante
e percebe o aproximar
do fim
Os seus olhos vão perdendo
o brilho
tudo parece distante
e ausente
Ela percebe
que nada percebe
e com ela
eu morrerei um pouco
Perdido o jogo
entendido o logro
deste mundo louco
acabou
E digam o que disserem
somos renegados
e toda a queda
provoca dor
Parte III
Fecha a boca
não fales
que não te ouvem
e sente a dor
Cerra os punhos
não batas
que não lhes doi
e sente a dor
Abre os olhos
vê o mundo exterior
tal como uma criança
que já não és
Abusaram de ti
e implorastes por mais
ninguém é culpado
é o teu fado
Nada fará sentido
és um naufrago perdido
tudo é um esboço
nada vale o esforço
Não há redenção
apenas a dor
da confirmação
da condenação
Podes implorar
ninguém te ajudará
ninguém se orgulhará de ti
tudo está á venda
E mesmo para um renegado
tal como tu
é hora de dizer
Adeus...
Escrito entre Fevereiro e Junho de 1994
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