Artigo de Henrique Monteiro no Expresso Diário
Eis uma confissão que tinha de fazer. Não consigo acertar nas intenções
políticas dos nossos atores do PSD. Não pensei que Passos saísse e desistisse,
por isso não pensei que Rui Rio avançasse; no meio disto achei que Santana
Lopes não se meteria no ‘saco de gatos’ em que se transformou o PSD.
Quero a meu favor (e sem direito a perguntas, como agora é moda) dizer que
tenho sido muito mais vezes enganado do que as vezes que me enganei. Isso
significa um crédito a meu favor – e suponho que bastante largo. Feito aviso,
aqui se segue o que penso acerca disto.
Passos fez bem em sair. Depois dessa decisão, o seu fácies mudou para
melhor, a cara fechada deu lugar a um ataque de riso no Parlamento que parecia
incontrolável, ainda por cima quando António Costa disse uma piada (com certa
piada, concedo) a Hugo Soares, o líder da bancada do PSD. Passos tem a mulher
com problemas de saúde, deu o que pôde e não pôde por Portugal e era insultado
todos os dias, incluindo por companheiros de partido. Mesmo o maior casmurro do
mundo tem um dia em que se interroga que raio está ali a fazer (sobretudo após
um mau resultado eleitoral)? Nesse dia sai e sente-se aliviado. Não vai para
Paris estudar Science Po e viver num andar do bairro mais exclusivo, mas mesmo
ficando em Massamá pode, ainda, ser feliz.
Rio é um contabilista alemão. Dizem que é mais sério do que um rochedo
inamovível. Sente o PSD com régua e esquadro. Não é de direita, não é de
esquerda – é rigorosamente ao centro, como dizia Freitas do Amaral quando era
desaconselhado, senão proibido ser de direita, nos idos do Verão Quente. Rio
não o diz por conveniência, pensa assim mesmo. A sua formação alemã permite-lhe
o humor apenas nas coisas com que se pode brincar e interdita-o naquilo com que
não se brinca. É um soldado que chegou a general prussiano. Se vencer o PSD
desenhará num mapa uma estratégia e disporá elementos no tabuleiro. É adepto da
guerra prolongada, não da guerrilha.
São sempre os governos a perder as eleições, altura em que as ganha quem
estiver à frente do principal partido da oposição
Santana é um rapazola que envelheceu e percebeu esse facto. Deixou de ser o
menino guerreiro para ser uma espécie de avô cantigas. Não despreza a
juventude, antes lhe dá conselhos sábios. O ex-várias coisas, incluindo
primeiro-ministro e presidente do PSD, entendeu, como todos os idosos sensatos,
que só há dois tipos de problemas: os que o tempo resolve e aqueles que nem o
tempo resolve. Tanto sobre uns, como sobre outros, não vale a pena zangarmo-nos
ou esforçar-nos demasiado. Como todos os políticos que têm os pés na terra há
muito tempo, perceberá que ganha as eleições se Costa as perder. Ou seja, que
são sempre os governos a perder as eleições, altura em que as ganha quem
estiver à frente do principal partido da oposição. Mas Santana tem no ADN o
estilo guerrilheiro e a estratégia latina atabalhoada do ‘vamos a eles’. Ao
contrário de Rio, não terá mapa, nem estratégia, nem guerra prolongada. Terá
improviso. Ele que confundiu os noturnos de Chopin com uma interpretação de
violoncelo é, no entanto, capaz de improvisar lindamente. Impromptu assim se
chama em música o que ele faz. Foi assim que viveu a vida e se fez homem (teria
mais de 50 anos). Quem esteve de alma e coração com Passos estará com ele; quem
acha que pode ser de direita, estará com ele; quem pensa que o anarquismo é uma
teoria liberal económica estará com ele. Mas quem pensa que o futuro é
totalmente controlável e previsível, preferirá Rio.
Aqueles, como eu, que se enganam – mas têm a vantagem de não ter de tomar
partido – assistem deliciados. Serão tempos interessantes, até mesmo no sentido
chinês da palavra (que significa tempos não muito bons para quem os vive
intensamente).
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