domingo, 16 de outubro de 2011

Há Alternativas? Há, O Que São É Piores

Artigo de José Pacheco Pereira
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O martelo-pilão abateu-se outra vez sobre os portugueses sob a forma habitual, impostos, aumentos de preços e reduções de salários. De cada vez que se espera que seja a última, há sempre mais uma. Por isso, a coisa mais fácil de vaticinar é que esta não será a última, e se calhar nem será a mais gravosa. Não só muitas marteladas estarão escondidas no que ainda se desconhece no Orçamento, como se está a caminhar para um ciclo de muito difícil saída. O que de mais gravoso o primeiro-ministro escondeu na sua declaração, mas que o seu ministro das Finanças está a dizer sob reserva aos partidos, é que uma parte do descalabro orçamental deste ano e do previsível para o ano já não vem dos "buracos", mas da quebra de receitas do Estado, que torna o aumento dos impostos em grande parte ineficaz. Ou seja, estamos a entrar num ciclo vicioso que se pode aguentar um ano ou dois e, em seguida, ficamos "gregos".
Aguentar um ano ou dois é a chave da razão porque apoio estas medidas, porque sei que, se Portugal não cumprir os objectivos do défice acordados com a troika, não tem qualquer margem de manobra para qualquer negociação futura. Vai ficar de rastos e vai ter que recomeçar a partir de muito atrás, mas as alternativas que existem e de que falarei a seguir - sim, porque há alternativas - colocam-nos numa situação muito pior. Há alternativas, o que são é más, muito más.
Por isso, poderíamos desejar um outro Governo mais capaz e imaginativo, poderíamos desejar acima de tudo um Governo mais experiente e melhor conhecedor da realidade nacional, que se tivesse preparado estudando o nosso país e não atirando soluções de catálogo para agradar aos blogues liberais, que não precisasse de estar a aprender ao mesmo tempo que, em absoluto estado de necessidade, precisa do martelo-pilão em vez de um martelo mais afinado, poderíamos desejar tudo diferente, mas é este que temos e se, no final, chegar a 2012 e 2013 cumprindo os objectivos do défice, fará bem. Esta vontade existe no Governo e isso é muito positivo. A consciência da emergência também existe, e isso também é bom. É aqui, e não nas soluções, que se distingue de Sócrates.
Porém, os seus propagandistas podiam poupar-nos as ilusões e a demagogia ideológica: daqui não resultará qualquer estado mais virtuoso na sua magreza, nem nenhum país mais competitivo, nem um Portugal melhor. Sairá um país mais pobre, exausto, mais dependente, menos culto, menos qualificado, com maiores diferenças sociais, mais zangado e mais violento, e, muito provavelmente, com menos liberdades. E quase de certeza sairá com um Estado mais poderoso - exactamente o contrário do que os propagandistas dizem - e uma sociedade civil mais fraca. Quem, a partir dessa situação, quiser governar Portugal, tem que começar daqui e não da Utopia.
Dito isto, a única margem de manobra previsível será ter cumprido a nossa parte de um acordo que nem é bom, nem virtuoso, mas que nos dá um espaço de sobrevivência e, se for cumprido, um espaço de negociação. Esse espaço não depende só de Portugal, mas aí é que se vai ver o que o Governo pensa e propõe sem ser em estado de absoluta necessidade. Só de necessidade.
Voltemos às alternativas. Só a pobreza do nosso debate político pode explicar que se possa ouvir um dia inteiro, num canal noticioso, pessoas distintas sobre pessoas distintas a dizerem que não há alternativa, e alguns populares nos fora a dizer que há, é prender os políticos, não pagar aos bancos, confiscar o dinheiro aos ricos e "renegociar a dívida". São as soluções que o BE e o PCP propõem e que são muito mais populares do que se pensa, em particular nas vítimas do martelo-pilão. Insisto, de novo, no que escrevi há uma semana, que a ideia mirífica que as pessoas "interiorizaram" de que "têm que passar por sacrifícios" é muito bonita na retórica da classe dirigente, mas não tem nenhum fundamento social.
Que alternativas existem? Algumas são do domínio dos milagres, mas há muita boa gente que acredita em milagres. Por exemplo, pode sempre aparecer petróleo na costa e o país ficar uma pequena Noruega, sem noruegueses. Bom, muita gente acredita em política em coisas deste género, e, como não é impossível, pode sempre acontecer.
Algumas são ad terrorem, mas a situação que se vive é propícia a muitos terrores e estas são, infelizmente, mais prováveis. A Grécia e as tensões gregas podem servir para comparação. Por exemplo, vamos admitir que o Governo falha o défice, acabou o dinheiro para pagar salários, há despedimentos por todo o lado, o sistema político bloqueia e há tumultos diários. A Europa desistiu de manter no euro Portugal e a Grécia, porque tem que se voltar para Espanha e Itália, e nos dá como perdidos. Não é impossível que tal aconteça. Haverá quem pense numa alternativa antidemocrática, um golpe de estado militar, por exemplo, para "pôr os sindicatos na ordem", prender os arruaceiros antipatriotas e prometer pôr as finanças em ordem e depois "voltar à democracia". A Europa ostracizará Portugal, mas Angola não, e manu militari os défices são cumpridos e os nossos "patriotas" golpistas organizam um "partido da ordem" e ganham eleições mais ou menos livres. A Europa, que aceita um poder líbio "revolucionário" com tanta legitimidade como o de Khadafi, que, aliás, também aceitava, lá nos permitiria entrar de novo, agora com as finanças limpas e um Estado magro. Impossível? Perguntem aos gregos se eles acham isso impossível na Grécia.
Depois há a história da "renegociação da dívida". Vamos admitir que um Governo com essa plataforma ganha eleições. No dia seguinte, esse Governo propõe aos nossos credores negociar a dívida e recebe um rotundo não. Portugal, nessa altura, já terá os ratings da mais funda lixeira, ninguém nos empresta um soldo, e alguns bancos europeus estarão na falência por "exposição" à dívida portuguesa. A Grécia terá falido entretanto e ninguém na Europa tem qualquer margem de manobra para ir apoiar esses incumpridores radicais dos portugueses. Se pensam que a atitude actual da Europa face à Grécia será a mesma face a uma declaração unilateral de incumprimento, desenganem-se. Os gregos ainda prosseguem o seu caminho no euro porque o Governo desespera-se a tentar cumprir o que lhe pedem. Um país que diga "acabou, enquanto não renegociarem a dívida, não há nada para ninguém", terá um não rotundo.
Um mês depois, não haverá dinheiro para pagar salários e aos fornecedores do Estado, todo o capital que poderia fugir fugiu, e importações básicas, como rações para o gado, petróleo, sobressalentes, matérias-primas para as poucas fábricas ainda em actividade, cessarão. Começará o racionamento, a começar pela gasolina, e o Governo legislará sobre actividades prioritárias. A maioria dos voos da TAP será cancelada, com excepção de alguns voos "estratégicos". O cenário habitual dos países do "socialismo real", bichas, lojas vazias, mercado negro, tornar-se-á quotidiano.
O Governo da "renegociação da dívida" apelará à solidariedade internacional em nome de qualquer coisa que soará à "revolução portuguesa". Talvez Chávez mande um barco de petróleo, com muitas bandeiras e grande aparato. Mas a atenção do Governo será para outra coisa: "ir buscar dinheiro onde ele existe". Os bancos serão nacionalizados, assim como os "grandes grupos económicos", e a penalização para os "crimes económicos", como a evasão fiscal e a fuga de capitais, será pesada. Um novo tipo de criminosos será preso em directo e aparecerá nos noticiários da sempre amiga do poder RTP. Como o nome para as coisas acabará sempre por vir ao de cima, teremos um Governo "socialista e de esquerda" que lutará pela "justiça económica", contra a banca internacional e o imperialismo dos "mercados". Acho que sabemos muito bem como isso começa e como isso acaba, mas que é uma alternativa, é. É, é muito má.
Pode-se argumentar que a pobreza dos portugueses, num caso ou noutro, é inevitável e semelhante. Admito que sim, mas as liberdades não serão as mesmas. E com uma alternativa podemos ter violência nas ruas, com a outra podemos ter guerra civil. O Diabo escolheria a "renegociação da dívida" porque os resultados são mais certos e imediatos. E o Diabo escolhe sempre o lugar onde não há nenhuma esperança possível e que se chama Inferno. Tenhamos a esperança que ainda só estamos num Purgatório muito duro. Até um dia

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