Artigo de José Pacheco Pereira
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… se conseguíssemos ver de vez em quando os nossos problemas do ponto de vista de quem empresta e não de quem recebe. Talvez assim percebêssemos muita coisa melhor. Seria bom se conseguíssemos ver os nossos problemas do ponto de vista de um mineiro numa mina de carvão do Sarre, ou de uma professora de liceu de Darmstadt ou de um mediador de seguros na Turíngia. Sim, ainda há minas de carvão na Alemanha e a maioria dos seus mineiros são alemães. O trabalho é duro, como o de todos os mineiros, a aposentação é mais rápida, mas um mineiro é um mineiro. Sim, também na Alemanha os professores têm uma tarefa muito difícil e acham-se injustiçados pelo governo, mas um professor é um professor. Sim, também na Alemanha há aquilo a que chamamos “classe média baixa”, que é o que é o nosso mediador que não vende apenas seguros, mas também aconselha as pessoas da sua idade, que estão no início da sua actividade empresarial ou profissional, a investir de forma segura o dinheiro das suas poupanças. Muitos dos seus clientes são operários fabris que ainda nasceram na antiga RDA. Estes são os retratos dos alemães que podemos encontrar, por exemplo, nas emissões da Deutsche Welle.
Nenhum destes alemães acha que a situação da Alemanha é boa. Preocupa-os o futuro dos filhos, o encerramento das minas, a sobrecarga horária das aulas, a segurança das poupanças dos trabalhadores. Eles vêem a Alemanha como as pessoas comuns vêem os seus países, a partir dos seus problemas, dificuldades e, acima de tudo, dos seus receios. Nós olhamos para lá e vemos alemães egoístas que votam contra a ajuda aos países do Sul porque os acham preguiçosos, mas eles fazem as suas opções de gente comum do mesmo modo que os portugueses comuns as fazem em Portugal. É o dinheiro deles que nós estamos a pedir emprestado. É natural que eles o queiram proteger, e é natural que eles se façam difíceis. A vida também não é fácil para eles, ou será que a gente pensa que o alemão típico é uma espécie de nazi em potência, comendo salsichas e bebendo cerveja, explorando os seus trabalhadores imigrados numa fabriqueta que por fora parece um moderno edifício de escritórios no meio de um bosque bem tratado e por dentro é uma sweatshop? É que se é assim, merecemos bem ser tratados de país do Club Méditerranée, um tenebroso insulto, admito.
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