Eduardo Louro no Quinta Emenda
Tinha dois anos, e morreu às mãos do próprio pai, que a estrangulou até ao último suspiro. Tinha dois anos, a Lara...
Os pais estavam divorciados aos mesmos dois anos. E há também dois anos que entrara uma queixa em tribunal por violência doméstica. O processo saiu da PSP com o rótulo de "violência doméstica de risco elevado", ou seja, as autoridades policiais ficaram alarmadas com o conteúdo da queixa, mas, ao recebê-lo, o Ministério Público classificou-o "coacção e ameaça". Classificação que, ao contrário da de violência doméstica, que é crime público (e não admite desistência), carece de queixa. Que Sandra, a mãe de Lara, não apresentou, agora em sede de Ministério Público. Há um ano, em Janeiro do ano passado, o processo foi arquivado por desistência da ofendida.
A Lara morreu no dia em que o Tribunal iria decidir a quem atribuir a sua guarda. Morreu no carro, de onde não chegou a sair quando, depois do fim-de-semana, o pai, em vez de a entregar de volta, degolou a avó.
Morreu porque não teve quem a protegesse. Morreu porque nós falhamos, e lhe faltamos sempre que ela precisou. O pequeno relato acima mostra apenas uma pequena parte das nossas falhas. Mostra o nosso traço cultural de tolerância da violência doméstica, que nos impede de a combater com a prioridade que tem de ter, como imperativo nacional que as estatísticas impõem.
Repare-se como, apenas e também ontem, a propósito daquele despacho do juiz Neto Moura, aqui trazido por diversas vezes, o Conselho Superior da Magistratura condenou pela primeira vez um juiz claramente alinhado com esse traço. E como lhe aplicou uma pena de advertência registada como se de um pena exemplar se tratasse. Votada pela diferença mínima, quando, perante o crime de agressão selvática de uma mulher, pelo marido e pelo amante, com uma moca com pregos, o juiz recorreu a legislação do século XIX e a citações bíblicas para humilhar a vítima e desculpabilizar os criminosos!
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