Artigo de Ricardo Costa no Expresso Diário
No mesmo fim de semana em que o Ministério
Público irrompia por gabinetes do Ministério das Finanças em busca de pistas
sobre um alegado favorecimento por causa de uma ida ao futebol, o presidente do
sindicato dos magistrados da investigação judicial reconheceu-se impotente para
travar casos de violência doméstica, mesmo quando perfeitamente detetados e
denunciados pelas próprias vítimas, por falta de formação e de meios.
Sei bem que o excesso de zelo de uns não tem nada a
ver com a falta de meios de outros e tenho sempre presente que há dois
princípios fundamentais nas investigações judiciais em Portugal, que nunca
devem ser postos em causa: a independência de qualquer poder e a autonomia de
qualquer investigação. Mas sei igualmente que esses princípios não isentam o
Ministério Público de falhas nem de críticas, sobretudo quando o ridículo e a
ineficácia se juntam no mesmo fim de semana.
O caso dos convites para Mário Centeno ir ao futebol é
isso mesmo, ridículo. O das viagens da Galp já era, na essência, perfeitamente
ridículo, como já escrevi nesta coluna. Mas este é ainda mais absurdo, porque
denota total falta de bom senso e desenquadramento da realidade e das práticas,
tentando ligar factos soltos, sem lógica aparente e desligados das
responsabilidades dos envolvidos. O IMI é responsabilidade das câmaras e a
Autoridade Tributária é uma máquina absolutamente independente. Coitado do
ministro que tente, um dia, pôr a AT ao seu serviço... Cai em menos de um
fósforo.
O que é curioso neste fim de semana é ver que o mesmo
corpo que não consegue impedir uma mulher de ser morta à pancada, apesar de ter
feito tudo para que a justiça a salvasse, persegue bilhetes de futebol até ao
fim do mundo.
Sei que esta análise tem um lado demagógico, mas não é
mais demagógica do que quem faz passar a ideia à opinião pública de que
dirigentes políticos ou administrativos se vendem por bilhetes para a bola, num
país onde pedir bilhetes é uma prática de décadas. E, mais relevante, a
comparação com a ineficácia no combate à violência doméstica mostra bem como a
nossa justiça é ineficaz em áreas de uma gravidade extrema.
Eu elogiarei sempre o nosso Ministério
Público pela coragem, pela capacidade de investigação que tem demonstrado e por
mostrar a todo o país que não há ninguém acima da lei. Mas ficarei chocado
sempre que lamentarem a morte de uma mulher à pancada por falta de formação ou
meios. Preferia que mostrassem aos portugueses que salvaram mais vidas de
pessoas inocentes do que perseguiram bilhetes para a bola
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