Pode. E este caso das viagens da Galp é, na essência, ridículo. Um caso
menor, sem relevância política ou contrapartidas decentes, nenhum efeito de moralização
razoável ou de exemplo a seguir. O caso parte de um único ponto discutível do
ponto de vista político e ético - deve um secretário de Estado dos Assuntos
Fiscais aceitar viajar a convite de uma empresa com a qual o Estado tem sérias
divergências? - para entrar num desvario que vacila entre o risível e o
aterrador.
Primeiro, o tempo. Como muito bem lembrou Miguel Sousa Tavares, ontem no
Jornal da Noite, como é que é aceitável que um caso desta simplicidade leve um
ano a ser investigado? Um ano, pelo menos, porque, como se percebe pela recente
constituição de arguidos, a investigação ainda decorre. Dedicar recursos
judiciais durante um ano a um caso destes - investigável em meia dúzia de dias
- é absurdo e desproporcionado. É, aliás, um exemplo vivo do mundo próprio em
que a justiça vive, assente numa desejável autonomia mas pouco dependente do
bom senso ou das regras básica da boa gestão dos recursos públicos.
É estranho que a mesma máquina judicial que - na minha opinião bem -
defende a colaboração (ou delação) premiada para acelerar processos e ser mais
eficaz em crimes muito complexos, ache normal que processos relativamente
simples ou vagos durem anos e anos, como se nada disso afetasse outras
investigações mais importantes ou graves para as quais não há recursos humanos
ou técnicos disponíveis.
Em segundo lugar, o objeto da investigação. Sim, o caso até levou o Governo
a criar uma espécie de código de conduta. Sim, o Estado só tem a ganhar com
menor promiscuidade entre convites de empresas e a sua atividade. Sim, este
caso até pode servir de exemplo a que este e futuros governos percebam melhor
os seus limites de atuação. Mas um parecer do conselho superior do Ministério
Público ou uma acusação sumária em tempo útil (no verão do ano passado) teriam
tido mais resultado e muito maior eficácia.
Ainda bem que a Galp fica na Estrada da Luz para não andarmos à espera das
célebres cartas rogatórias que, uma vez mais, vão atrasar a acusação da
Operação Marquês. Ainda bem que os bilhetes foram tratados por e-mail, para não
termos que esperar pela desgravação de milhares de escutas. Ainda bem que há
dezenas e dezenas de testemunhas das viagens e dos jogos, para não termos que
esperar que venham de Angola ou de alguma paragem exótica. Só é pena que
estando tudo entre a Estrada da Luz, o Terreiro do Paço e o Palácio das
Necessidades, uma coisa destes leve um ano a chegar a este ponto.
Um dos princípios mais absurdos do nosso ordenamento jurídico é o de
impedir o Ministério Público de fazer escolhas. Este princípio geral existe por
boas razões mas resulta em péssimos resultados. Um deles é o de não saber fazer
coisas depressa, outro o de dar importância e tempo a processos simples, outro
ainda o de não perceber o ridículo.
Quando a Galp tiver que revelar em tribunal a lista completa de convites
para jogos da seleção dos últimos 15 anos o que vai fazer o Ministério Público?
Dedicar uma mega equipa a isto? Processar todos os envolvidos em “jogos e
viagens” que não tiverem passado o prazo de prescrição? Ou achar que estamos
perante uma prática useira e costumeira? Vai ser o julgamento do século e
seguramente um dos mais ridículos.
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