segunda-feira, 20 de outubro de 2008

A Ressonância do Vil Metal na Vida Despreocupada de um Cavalheiro

Do espólio do Comendador Marques de Correia (Jornal Expresso do último Sábado)
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Devo começar por dizer que não considero o dinheiro essencial. Já o considerei assim, há muitos anos, quando ao ver-me sem um tostão nos bolsos pensava que o mundo era um local inóspito e ingrato. Mas o tempo vai dando as suas lições. Hoje, mesmo que não tenha nem sequer um cêntimo, vivo despreocupada e alegremente. Qualquer despesa inesperada não me preocupa - pago com cartão de crédito!
É por isso que posso dizer claramente que o dinheiro não traz a felicidade. Já o cartão de débito, o cartão de crédito e, num caso ou noutro, um cheque fazem a diferença entre a euforia e a depressão. Ouro e prata, aos quais devemos inúmeras guerras, são hoje coisas do passado. Ninguém se interessa por um castiçal e as empresas deixaram de oferecer aquelas salvas de prata com o nome dos funcionários gravado aos que têm muitos anos de casa.
Anéis de ouro, pulseiras de prata, correntes e fios e cachuchos são para aquele género de pessoas que tem dificuldade em comprar Mercedes-Benz em concessionários bem conhecidos da praça. Hoje, o que impressiona é um pedaço de plástico com um holograma, o nome em relevo e um "chip". Quem não o tiver, passa uma vergonha.
Há, no entanto, algumas coisas a melhorar nesta frente do cartão de plástico e do cheque - visado, ao portador ou traçado: persiste uma ideia antiquada de que o valor inscrito no cheque ou o valor a debitar no cartão deve ter correspondência com o dinheiro que cada um tem depositado. Verdadeiramente, isto não passa de um preconceito.
Antigamente, quando a vida era a sério - e não virtual - um dólar, um escudo, um franco ou um marco tinham a sua correspondência em ouro. Mais tarde, verificou-se, porém, que tal não era necessário e, pelo contrário, atrapalhava a contabilidade. A não correspondência da moeda ao valor em ouro foi um enorme salto na direcção de uma economia moderna e desenvolvida.
Ora, é uma ideia pré-moderna entender que o dinheiro de cada um no banco deva corresponder ao que cada um pode transaccionar numa caixa multibanco.
Entendamo-nos: se as notas não correspondem ao ouro, por que motivo bizarro deve o valor do meu cartão corresponder às notas que acumulo numa instituição bancária?
Além do mais, deveríamos criar um mercado de futuros também nesta matéria. Por exemplo, um jovem de 17 anos com média de 19 valores no 12º Ano tem uma certa probabilidade de vir a valer um salário de 20 mil euros daqui a 20 anos. Ora, de acordo com as mais modernas leis da economia, deve ser com base nesse valor futuro que lhe deve ser dado o crédito actual. Isto não acontecer, desde já, é mais um sintoma da pré-modernidade em que todos vivemos.
Se estas coisas todas valeram para o sistema monetário e para o sistema financeiro, pode alguém explicar-me por que motivo não se aplicam à pessoa - o centro das preocupações de toda a gente, incluindo o senhor Paulson, o senhor Trichet e o bendito Conselho de Ministros?
Como vêem, com duas simples adaptações - não correspondência e mercado de futuros nos cartões e nos cheques - passaríamos todos a ser mais felizes.
Ouço, no entanto, alguém aí a perguntar como poderia fazer-se tal coisa. Confesso que não sei, não tenho inteligência suficiente. Mas isso é questão de perguntar a um desses magos da finança que abundam hoje no desemprego...

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