Artigo de Alberto Gonçalves
Enquanto o vice-primeiro-ministro assegura que o pior já passou, o
primeiro-ministro pede a economistas e comentadores que moderem as expectativas
do bom povo. Pela modestíssisma parte que me toca, agradeço a distinção, mas nem
me parece que estas crónicas influenciem as massas nem acho que as massas andem
tão eufóricas quanto o Dr. Passos Coelho julga.
Salvo casos de distracção ou ilusão terminais, os cidadãos percebem que do
Orçamento não virá nada de bom. Por um lado, porque não poderia vir. Mesmo num
mundo ideal, ou sobretudo num mundo ideal, a situação do país aconselharia a
reformar urgentemente o Estado, e a reforma do Estado também implica
despedimentos, "cortes" nos salários e nas pensões e empobrecimento em geral. No
mundo que temos, o Governo navega à vista e empobrece as pessoas sem reformar
nada de nada. Para tentar sossegar o estrangeiro, o Dr. Passos Coelho anuncia
alterações estruturais que nunca lhe ocorreu implantar. Para tentar sossegar o
eleitorado, o Dr. Portas anuncia o advento da bonança. Ambos mentem com quantos
canais têm na RTP. Até agora, havia nove. Após anos de estudos e ponderações, o
ministro adjunto e do Desenvolvimento Regional explicou que a RTP fica melhor
com treze.
Não, não desviei o assunto. Se serve para alguma coisa, a RTP serve de
perfeito exemplo do modus operandi do Governo. Primeiro, declara-se a vontade de
privatizar a televisão pública inteirinha, conforme a lucidez e a falência
pátria recomendam. Depois, adia-se a privatização da empresa e passa a falar-se
no fecho da RTP2, que todos sabem representar a maior fatia do esbanjamento
daquilo. Em seguida, enterra-se o assunto. Por fim, desenterra-se o assunto,
agora embelezado por um aumento de 20 ou 30 por cento na taxa do audiovisual e
pela luminosa ideia dos quatro novos canais, dedicados "às áreas
infanto--juvenil, música, educação e sociedade civil". O Dr. Poiares Maduro jura
que a oferta actual é, cito, "insuficiente". E, pergunto-me, será suficiente a
oferta futura? À cautela, conviria avançar de imediato com oito canais,
acrescentando aos prometidos a RTP Ciclovias, a RTP Afectos, a RTP Barlavento
Algarvio e, claro, a RTP Descobertas, evidentemente centrada nas proezas de
Bartolomeu de Gusmão, Vasco da Gama e Júlio Isidro. Por estes dias, o presidente
da empresa reclamou, para 2014, 200 milhões do erário público. Avança-se 300 e
não se fala mais nisso.
Ou fala, sempre que a estratégia aplicada na RTP, de facto um símbolo do
país, se aplica aos restantes sectores. Em suma, há um Executivo empenhadíssimo
em proceder a numerosas operações estéticas a fim de parecer reformar o Estado.
Há um Tribunal Constitucional (e uma Constituição) que corrobora a farsa,
"provando" que o Governo fez o que pôde de modo a reduzir o Estado. Há uma
oposição que, sem se rir, acusa o Governo de reduzir o Estado. E há, contas
feitas, um Estado perpetuado na capacidade de alimentar os que melhor o usam. Os
contribuintes, distantes destes arranjos, pagam-nos mansamente. Vale que alguns
dos contribuintes são alemães, pelo que a mansidão está em risco. E os arranjos
também.
Sem comentários:
Enviar um comentário