domingo, 13 de outubro de 2013

RTP, Símbolo Da Nação

Artigo de Alberto Gonçalves
 
Enquanto o vice-primeiro-ministro assegura que o pior já passou, o primeiro-ministro pede a economistas e comentadores que moderem as expectativas do bom povo. Pela modestíssisma parte que me toca, agradeço a distinção, mas nem me parece que estas crónicas influenciem as massas nem acho que as massas andem tão eufóricas quanto o Dr. Passos Coelho julga.
Salvo casos de distracção ou ilusão terminais, os cidadãos percebem que do Orçamento não virá nada de bom. Por um lado, porque não poderia vir. Mesmo num mundo ideal, ou sobretudo num mundo ideal, a situação do país aconselharia a reformar urgentemente o Estado, e a reforma do Estado também implica despedimentos, "cortes" nos salários e nas pensões e empobrecimento em geral. No mundo que temos, o Governo navega à vista e empobrece as pessoas sem reformar nada de nada. Para tentar sossegar o estrangeiro, o Dr. Passos Coelho anuncia alterações estruturais que nunca lhe ocorreu implantar. Para tentar sossegar o eleitorado, o Dr. Portas anuncia o advento da bonança. Ambos mentem com quantos canais têm na RTP. Até agora, havia nove. Após anos de estudos e ponderações, o ministro adjunto e do Desenvolvimento Regional explicou que a RTP fica melhor com treze.
Não, não desviei o assunto. Se serve para alguma coisa, a RTP serve de perfeito exemplo do modus operandi do Governo. Primeiro, declara-se a vontade de privatizar a televisão pública inteirinha, conforme a lucidez e a falência pátria recomendam. Depois, adia-se a privatização da empresa e passa a falar-se no fecho da RTP2, que todos sabem representar a maior fatia do esbanjamento daquilo. Em seguida, enterra-se o assunto. Por fim, desenterra-se o assunto, agora embelezado por um aumento de 20 ou 30 por cento na taxa do audiovisual e pela luminosa ideia dos quatro novos canais, dedicados "às áreas infanto--juvenil, música, educação e sociedade civil". O Dr. Poiares Maduro jura que a oferta actual é, cito, "insuficiente". E, pergunto-me, será suficiente a oferta futura? À cautela, conviria avançar de imediato com oito canais, acrescentando aos prometidos a RTP Ciclovias, a RTP Afectos, a RTP Barlavento Algarvio e, claro, a RTP Descobertas, evidentemente centrada nas proezas de Bartolomeu de Gusmão, Vasco da Gama e Júlio Isidro. Por estes dias, o presidente da empresa reclamou, para 2014, 200 milhões do erário público. Avança-se 300 e não se fala mais nisso.
Ou fala, sempre que a estratégia aplicada na RTP, de facto um símbolo do país, se aplica aos restantes sectores. Em suma, há um Executivo empenhadíssimo em proceder a numerosas operações estéticas a fim de parecer reformar o Estado. Há um Tribunal Constitucional (e uma Constituição) que corrobora a farsa, "provando" que o Governo fez o que pôde de modo a reduzir o Estado. Há uma oposição que, sem se rir, acusa o Governo de reduzir o Estado. E há, contas feitas, um Estado perpetuado na capacidade de alimentar os que melhor o usam. Os contribuintes, distantes destes arranjos, pagam-nos mansamente. Vale que alguns dos contribuintes são alemães, pelo que a mansidão está em risco. E os arranjos também.

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