segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Cautela Com O Cautelar

Artigo de João Cotrim Figueiredo
      
 É provável que a Irlanda seja elegível para o mecanismo das Outright Monetary Transactions do BCE, o tal que, sem nunca ter sido usado desde que foi criado há mais de um ano, salvou o euro.
Não se percebe a forma alarmista como a decisão da Irlanda de não recorrer a um programa cautelar está a ser analisada.
Em primeiro lugar, não há nenhum motivo para que o facto de Portugal poder vir a ser o primeiro país a negociar um programa cautelar equivalha a uma maior dificuldade negocial. Aliás, pode-se argumentar que nem sempre nos foi favorável pretender replicar no nosso programa de ajustamento os termos e condições obtidos pelos irlandeses e, mesmo, a outro nível, pelos gregos. O sucesso do ajustamento português continua a ser muito importante para a União Europeia e isso basta para que haja disponibilidade negocial de todos os envolvidos quando chegarmos ao momento de negociar um programa cautelar. E acreditem que chegar a esse momento é o melhor a que podemos realisticamente aspirar.
Depois, sejamos rigorosos. A Irlanda não recusou um programa cautelar. A Irlanda apenas conclui que, por agora, prefere não optar por essa via. Fá-lo, essencialmente, por dois motivos. Um motivo político que se prende com a aspiração publicamente assumida pelo primeiro-ministro Enda Kerry quando tomou posse de que queria ficar conhecido como o taioseach que devolveu a soberania ao seu país. O outro motivo é financeiro: a Irlanda dispõe atualmente de mais de 25.000 milhões de euros de liquidez, suficiente para as necessidades de refinanciamento dos próximos 15 meses. Este desafogo permite, por enquanto, manter as taxas de juro historicamente baixas de uma forma muito mais eficaz do que qualquer programa cautelar.
Estas disponibilidades financeiras foram acumuladas durante este ano de 2013 através de emissões de dívida aproveitando as condições de mercado favoráveis. Conforme já aqui se escreveu, a capacidade da Irlanda construir consensos entre partidos políticos e parceiros sociais foi decisiva na criação destas condições favoráveis e da perceção de que o país seria capaz de concluir o seu programa dentro do calendário previsto. É fundamental que esta lição seja bem compreendida pelos agentes políticos em Portugal.
Tendo dito isto, a Irlanda não estará propriamente nos mercados sem rede em 2014. De acordo com o plano de emissões do governo irlandês, é provável que a Irlanda seja elegível para o mecanismo das Outright Monetary Transactions do BCE, o tal que, sem nunca ter sido usado desde que foi criado há mais de um ano, salvou efetivamente o euro. Daqui a um ano se verá se as exigentes metas orçamentais irlandesas (redução do défice em 2,8% do PIB) foram cumpridas e se o país não terá, nessa altura, de voltar a considerar um programa cautelar.
  

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