domingo, 12 de agosto de 2012

Azar Ao Jogo

Artigo de Alberto Gonçalves

Na semana passada, constatei aqui o débil currículo das selecções e dos atletas portugueses em competições desportivas internacionais, olímpicas ou não. Estranhamente, alguns leitores imaginaram que eu exigia dessas selecções e desses atletas esforço e vitórias, coisa que nunca me passou pela cabeça. Quando se diz que um triciclo tem três rodas, não se reivindica necessariamente que passe a ter quatro ou dez. O facto de o país ser fraquinho no desporto não me incomoda nem implica que seja fraquinho naquilo que realmente importa, da política à economia, da ciência à indústria, da educação à justiça. Por acaso, Portugal também é deplorável nas áreas citadas, mas estas não beneficiariam muito se a delegação pátria saísse de Londres vergada ao peso das medalhas. Não há ouro, prata ou bronze que compensem o atraso.
Perder medalhas não dói nada e não custa nada (excepto subsídios públicos e trocos avulsos). O que custa e dói é ganhá-las, no sentido em que dá um trabalhão a quem as alcança e no sentido em que somos obrigados a sofrer os que delas se aproveitam. Cerca de quinze segundos após uma dupla de remadores chegar ao segundo lugar nos JO, Miguel Relvas mandou divulgar um comunicado eufórico, no qual lembra que "Portugal acaba de registar uma das suas melhores proezas de sempre no campo desportivo, a nível internacional", explica que a medalha de prata "culmina um trabalho profícuo desenvolvido ao longo de anos por atletas e dirigentes federativos para valorizar e prestigiar o desporto português" e espera que o feito "constitua um estímulo suplementar ao fomento da prática desportiva entre os jovens, na certeza de que o desporto, nas suas diversas modalidades, constitui uma exemplar escola de cidadania".
Dado que a escola do sr. Relvas foi a Lusófona, aliás em registo imensamente mais veloz do que o dos remadores em questão, o comunicado dispensa considerações. De qualquer modo, com ou sem ou o popular ministro maçon (passe a redundância), não saímos disto: da perpétua e fraudulenta ilusão de que os triunfos no estádio (ou, no caso, na água) traduzem a excelência no resto.
Se traduzissem, a solitária medalha do remo indiciaria a mediocridade nacional e aconselharia os governantes ao silêncio. Como não traduzem (ver, sff., o palmarés de Irão e Coreia do Norte), a mediocridade continua indiferente aos eventos londrinos. As conquistas desportivas esgotam-se em si mesmas e não são propícias a extrapolações, excepto, claro, às extrapolações da propaganda, que estadistas formados literalmente à pressa usam para entusiasmar pasmados e envergonhar os demais.
Em circunstâncias ideais, acharia certa graça a que os meus compatriotas terminassem os Jogos com cem medalhas e 50 recordes do mundo. Em Portugal, onde o único recorde batido regularmente é o do descaramento, só pensar nisso, ou nas consequências disso na retórica dos políticos, arrepia. Uma medalha já peca por excesso. Dos males, porém, o menor: o nosso absoluto azar ao jogo ainda é a nossa relativa sorte.

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