segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Um Coordenador Para O Bloco Com As Mesmas Condições De Trabalho Do Seu Antecessor

Artigo de Daniel Oliveira

Vários jornalistas me contactaram nos últimos dias para saber a minha opinião sobre a nova liderança do Bloco. A todos respondi o mesmo, declinando o pedido: não havendo qualquer candidato, nada tenho a dizer. Nos partidos em que os líderes são eleitos, e não nomeados, são eles que se apresentam a voto. Haver um militante que já anunciou que não se recandidatará ao cargo a manifestar publicamente as suas preferências pessoais não muda o facto de, até agora, não haver qualquer candidato a coordenador do Bloco. Também terei, como muitos militantes do Bloco, as minhas preferências. Mas esperarei por saber a vontade dos próprios para me pronunciar.
Também está em debate o modelo de direção. Também sobre esse assunto não quis prestar declarações avulsas. O ainda coordenador do Bloco de Esquerda decidiu expressar a sua opinião. É, como militante do partido, livre de o fazer. Mas como estamos a falar da futura coordenação, e não da atual, só o faz na mera condição de militante. Caberá à convenção do partido, e só a ela, tomar uma decisão. Como o debate foi, por quem passou a informação para os jornais e pelos dirigentes que resolveram pronunciar-se, deslocado para o domínio público, nenhum militante do partido deve estar inibido de dar a sua opinião.
Como esse debate está já na praça pública – infelizmente manchado, no que a mim diz respeito, por uma incompreensível calúnia de que não pretendo, depois da reação clara, ponderada, mas justamente indignada, voltar a falar –, sinto-me, enquanto militante, no direito de também dizer de minha justiça. Até porque não gostava que ficasse a ideia, péssima para o partido, de que existem vias únicas e factos consumados que os militantes estão dispensados de discutir. Para isso já bastam as “inevitabilidades” que querem impor ao País. Como disse a minha camarada Ana Drago, há, como não podia deixar de haver, várias soluções em cima da mesa. E todas elas têm gente que com elas discorda e gente que com elas concorda. As opiniões de cada um não são, não podem ser, o mesmo que decisões fechadas. O atual coordenador do Bloco abriu o debate público com a sociedade portuguesa sobre o tema e, assim, aqui vai o meu contributo.
Considero que uma coordenação bicéfala não corresponde, neste momento, às necessidades do Bloco de Esquerda. Independentemente dos nomes referidos pelo militante que coordena o partido até Novembro, que, na verdade, só me poderiam agradar. Dizer que um modelo de liderança a dois é uma solução moderna e que não se pode dirigir o partido como se estivéssemos no século XIX faz pouco sentido. Não vejo como se pode defender como única solução aceitável para a liderança dos outros o que não aplicámos à nossa. Quando o Bloco elegeu formalmente o seu último coordenador já estávamos no século XXI. Se o Bloco viveu bem com um único coordenador, não vejo porque não pode, subitamente, continuar a viver. E tem por onde escolher.
O País vive um momento dramático. O Bloco passará por duas difíceis eleições – autárquicas e europeias – e por duros combates sociais. A sucessão de um líder marcante, com características próprias que moldaram a natureza do cargo de coordenador, ao fim de 13 anos de liderança – primeiro de facto, depois formal –, tornam o trabalho do futuro coordenador do Bloco especialmente complexo. Qualquer solução que lhe acrescente, à dificuldade natural desta sucessão e dos combates que se adivinham, sinais de fragilidade é uma injusta herança que se deixa a quem aceitar assumir tal responsabilidade.
O partido não deve passar a ideia de que o seu atual coordenador é insubstituível. E para não passar essa ideia deve eleger um coordenador que tenha as mesmas condições de trabalho que foram dadas ao seu antecessor. É o mínimo que se pode pedir. As dificuldades que se avizinham, que implicam escolhas difíceis, que, como é natural em qualquer partido, podem causar algumas fracturas internas, precisam de uma liderança que seja um factor de unidade. Mas uma unidade forte. E que se possa fortalecer aos olhos dos militantes e dos cidadãos. A solução bicéfala (ou tricéfala, se a ela acrescentarmos a liderança parlamentar, que obviamente ganha outra relevância na ausência de um coordenador único) gera confusão, descoordenação e enfraquece o partido.
A única forma de vir a ultrapassar esta confusão é a liderança bicéfala acabar por resultar numa escolha informal, por parte da comunicação social, do “líder mediático” do Bloco. Não me parece que um partido deva deixar para os jornalistas uma tarefa que deve ser sua. Estou, por fim, convencido que a maioria dos portugueses não compreenderá esta solução. Depois de uma pesada derrota eleitoral, e quando há tantos desafios pela frente, tudo o que Bloco dispensa é mais factores de confusão na passagem da sua mensagem.
Todos sabíamos que uma sucessão de um líder carismático, que esteve tantos anos à frente de um partido ainda jovem, seria difícil. Outros partidos passaram pelo mesmo e souberam resolver essa dificuldade. Qualquer solução encontrada, ainda mais num partido com muitas sensibilidades (o que é a sua riqueza), encontraria oposições e apoios. É natural que assim seja num partido democrático e isso não deve causar qualquer temor. Empurrar o problema com a barriga, optando por uma solução que fragiliza quem tenha de coordenar o partido nos próximos anos, é criar um problema mais grave.
Poderíamos preferir que os partidos não fossem representados por um rosto e que a política fosse menos personalizada. Mas as coisas não são assim e o Bloco não só não o ignorou até hoje como tomou, no passado, a decisão de encontrar esse rosto. Também no passado havia a possibilidade de se ter partilhado a coordenação do Bloco. Ou até de terem sido outros os coordenadores. Havia pessoas capazes de o fazer. Optou-se por ter um único coordenador e por ele ser Francisco Louçã. Porque se percebeu que mais vale um líder eleito pelos militantes do que um líder escolhido pelos media. Nada mudou desde então. A não ser a dificuldade em aceitar que as sucessões na liderança de um partido, podendo ter um parto difícil, são um ato natural. Porque, insisto, ninguém é insubstituível.
Sobre os nomes, nada direi. A não ser que, para coordenador, não faltam dirigentes com a capacidade de transmitir a mensagem do Bloco com eficácia. E que, já agora, o ajudem a entrar numa nova fase de crescimento e de credibilidade. Alguns deles foram referidos por quem lançou este debate e fico muito satisfeito por recolherem tanta simpatia e apoio, o que deveria ser a prova de que é possível uma sucessão sem dramas. Seria lamentável que as suas enormes capacidades fossem prejudicadas por uma solução que os enfraquecem à partida. Não pode faltar, muito menos agora, a coragem de fazer escolhas. E é por escolhas claras que me baterei na próxima convenção.
 

Sem comentários: