As notícias sobre políticos que têm relações extraconjugais, ao mesmo tempo que lamentam o desaparecimento dos valores da família ou que utilizam dinheiros públicos para obterem lucros privados - apesar de condenarem os gastos do Governo -, tornaram-se tão vulgares nos últimos anos que já deixaram de nos surpreender. Ironicamente, pelo menos a relação entre poder e hipocrisia tornou-se evidente.
No entanto, a ironia não tem base científica. E, mesmo que corresponda à verdade, não devemos esquecer que não responde à questão de saber se, como reza a máxima de Lorde Acton, o poder tende a corromper ou se apenas atrai os corruptíveis. Para aprofundar esta questão, Joris Lammers, da Universidade de Tilburg, na Holanda, e Adam Galinsky, da Northwestern University, no Illinois, levaram a cabo uma série de experiências, através das quais tentaram induzir estados de claro poder e de impotência no espírito de um grupo de voluntários. Depois disto, testaram a flexibilidade moral dos mesmos voluntários, como relatam na "Psychological Science". Descobriram que Lorde Acton tinha razão.
No primeiro estudo que realizaram, os drs. Lammers e Galinsky pediram a 61 estudantes universitários que escrevessem sobre um momento do seu passado em que tivessem estado numa situação de poder, grande ou reduzido. Investigações anteriores tinham determinado que esta fórmula era eficaz para 'treinar' pessoas para se sentirem como se estivessem nessa situação. Cada grupo (grande poder e poder reduzido) foi depois dividido em dois novos grupos. A metade foi pedido que, numa escala moral de nove pontos (em que 1 correspondia a altamente imoral e 9 a altamente moral), classificasse quão censurável seria alguém apresentar no emprego despesas de viagem acima das reais. A outra metade foi convidada a participar num jogo de dados.
Os jogadores deviam lançar dois dados com dez faces (um para as dezenas, outro para as unidades), na privacidade de um cubículo fechado, e comunicar os resultados a um assistente de laboratório. O número que lhes saísse, e que teria um valor entre 1 e 100 (dois zeros), iria determinar o número de bilhetes que lhes seriam atribuídos para uma pequena lotaria, a realizar no final do estudo.
No caso das despesas de viagem - em que a questão se centrava do comportamento de terceiros -, os membros do grupo de grande poder classificaram-na em média com 5,8 na escala de 9 pontos. Os membros do grupo com pouco poder atribuíram-lhe 7,2 pontos. Por outras palavras, os poderosos proclamaram ser a favor da moralidade. No jogo de dados, contudo, os membros do grupo com muito poder indicaram, em média, ter tirado 70, enquanto os indivíduos com fraco poder indicaram, em média, 59. Embora os indivíduos do grupo de poder reduzido possam ter feito uma pequena batota (a média previsível dos resultados seria 50), os voluntários com grande poder estavam indiscutivelmente a fazer batota - talvez levando demasiado à letra a expressão "jogador de alto nível".
No seu conjunto, estes resultados indicam de facto que o poder tende a corromper e a incentivar uma tendência hipócrita para exigir aos outros um comportamento mais rigoroso do que o do próprio. No entanto, no intuito de testar mais aprofundadamente esta conclusão, os drs. Lammers e Galinsky compararam de forma explícita a atitude para com o próprio e para com os outros, quando a actividade moralmente reprovável era a mesma nos dois casos. Mais uma vez, formaram dois grupos de participantes: um de grande poder e outro de poder reduzido. Em seguida, perguntaram a alguns membros de cada grupo até que ponto seria aceitável alguém infringir o limite de velocidade por estar atrasado para uma reunião, e em que medida isso seria aceitável, se fosse o próprio participante a fazê-lo. Outros membros dos grupos foram convidados a responder a questões semelhantes sobre declarações de impostos.
No entanto, a ironia não tem base científica. E, mesmo que corresponda à verdade, não devemos esquecer que não responde à questão de saber se, como reza a máxima de Lorde Acton, o poder tende a corromper ou se apenas atrai os corruptíveis. Para aprofundar esta questão, Joris Lammers, da Universidade de Tilburg, na Holanda, e Adam Galinsky, da Northwestern University, no Illinois, levaram a cabo uma série de experiências, através das quais tentaram induzir estados de claro poder e de impotência no espírito de um grupo de voluntários. Depois disto, testaram a flexibilidade moral dos mesmos voluntários, como relatam na "Psychological Science". Descobriram que Lorde Acton tinha razão.
No primeiro estudo que realizaram, os drs. Lammers e Galinsky pediram a 61 estudantes universitários que escrevessem sobre um momento do seu passado em que tivessem estado numa situação de poder, grande ou reduzido. Investigações anteriores tinham determinado que esta fórmula era eficaz para 'treinar' pessoas para se sentirem como se estivessem nessa situação. Cada grupo (grande poder e poder reduzido) foi depois dividido em dois novos grupos. A metade foi pedido que, numa escala moral de nove pontos (em que 1 correspondia a altamente imoral e 9 a altamente moral), classificasse quão censurável seria alguém apresentar no emprego despesas de viagem acima das reais. A outra metade foi convidada a participar num jogo de dados.
Os jogadores deviam lançar dois dados com dez faces (um para as dezenas, outro para as unidades), na privacidade de um cubículo fechado, e comunicar os resultados a um assistente de laboratório. O número que lhes saísse, e que teria um valor entre 1 e 100 (dois zeros), iria determinar o número de bilhetes que lhes seriam atribuídos para uma pequena lotaria, a realizar no final do estudo.
No caso das despesas de viagem - em que a questão se centrava do comportamento de terceiros -, os membros do grupo de grande poder classificaram-na em média com 5,8 na escala de 9 pontos. Os membros do grupo com pouco poder atribuíram-lhe 7,2 pontos. Por outras palavras, os poderosos proclamaram ser a favor da moralidade. No jogo de dados, contudo, os membros do grupo com muito poder indicaram, em média, ter tirado 70, enquanto os indivíduos com fraco poder indicaram, em média, 59. Embora os indivíduos do grupo de poder reduzido possam ter feito uma pequena batota (a média previsível dos resultados seria 50), os voluntários com grande poder estavam indiscutivelmente a fazer batota - talvez levando demasiado à letra a expressão "jogador de alto nível".
No seu conjunto, estes resultados indicam de facto que o poder tende a corromper e a incentivar uma tendência hipócrita para exigir aos outros um comportamento mais rigoroso do que o do próprio. No entanto, no intuito de testar mais aprofundadamente esta conclusão, os drs. Lammers e Galinsky compararam de forma explícita a atitude para com o próprio e para com os outros, quando a actividade moralmente reprovável era a mesma nos dois casos. Mais uma vez, formaram dois grupos de participantes: um de grande poder e outro de poder reduzido. Em seguida, perguntaram a alguns membros de cada grupo até que ponto seria aceitável alguém infringir o limite de velocidade por estar atrasado para uma reunião, e em que medida isso seria aceitável, se fosse o próprio participante a fazê-lo. Outros membros dos grupos foram convidados a responder a questões semelhantes sobre declarações de impostos.
Só as pessoas insignificantes pagam impostos...
Em ambos os casos, os participantes utilizaram a escala de 1 a 9 aplicada na primeira experiência. Os resultados mostraram que, na verdade, os poderosos têm comportamentos hipócritas. Acharam que o facto de outros excederem o limite de velocidade por estarem atrasados merecia uma pontuação de 6,3, enquanto que, se fossem eles próprios a exceder esse limite, mereciam 7,6 pontos. Em contrapartida, os indivíduos com pouco poder pontuaram todos por igual. Atribuíram 7,2 a si próprios e 7,3 aos outros - uma diferença insignificante, do ponto de vista estatístico. No caso da fuga aos impostos, os resultados foram ainda mais impressionantes. Os indivíduos com grande poder acharam que, quando violavam as leis fiscais, os outros mereciam 6,6 na escala de moralidade, mas se fossem eles próprios a fazê-lo mereciam 7,6. Neste caso, os indivíduos com pouco poder foram mais benevolentes com os outros e mais exigentes consigo próprios, com classificações de 7,7 e 6,8 respectivamente.
Estes resultados sugerem, portanto, que os poderosos se comportam de facto com hipocrisia, condenando mais as transgressões dos outros do que as suas. O que não é uma grande surpresa, embora seja sempre agradável ver a percepção vulgar confirmada por uma análise sistemática. Outra noção comum é que, quando são apanhados, os poderosos mostram quase sempre poucos remorsos. Não é só o facto de atropelarem o sistema - também parecem acreditar que têm esse direito. Para investigar este aspecto, Lammers e Galinsky conceberam uma terceira série de experiências, tendo em vista dissociar o conceito de poder do conceito de prerrogativa. Para tal, os investigadores modificaram o modo de preparar as pessoas.
Em ambos os casos, os participantes utilizaram a escala de 1 a 9 aplicada na primeira experiência. Os resultados mostraram que, na verdade, os poderosos têm comportamentos hipócritas. Acharam que o facto de outros excederem o limite de velocidade por estarem atrasados merecia uma pontuação de 6,3, enquanto que, se fossem eles próprios a exceder esse limite, mereciam 7,6 pontos. Em contrapartida, os indivíduos com pouco poder pontuaram todos por igual. Atribuíram 7,2 a si próprios e 7,3 aos outros - uma diferença insignificante, do ponto de vista estatístico. No caso da fuga aos impostos, os resultados foram ainda mais impressionantes. Os indivíduos com grande poder acharam que, quando violavam as leis fiscais, os outros mereciam 6,6 na escala de moralidade, mas se fossem eles próprios a fazê-lo mereciam 7,6. Neste caso, os indivíduos com pouco poder foram mais benevolentes com os outros e mais exigentes consigo próprios, com classificações de 7,7 e 6,8 respectivamente.
Estes resultados sugerem, portanto, que os poderosos se comportam de facto com hipocrisia, condenando mais as transgressões dos outros do que as suas. O que não é uma grande surpresa, embora seja sempre agradável ver a percepção vulgar confirmada por uma análise sistemática. Outra noção comum é que, quando são apanhados, os poderosos mostram quase sempre poucos remorsos. Não é só o facto de atropelarem o sistema - também parecem acreditar que têm esse direito. Para investigar este aspecto, Lammers e Galinsky conceberam uma terceira série de experiências, tendo em vista dissociar o conceito de poder do conceito de prerrogativa. Para tal, os investigadores modificaram o modo de preparar as pessoas.
Uma cultura da prerrogativa
Metade dos 105 participantes foi convidada a escrever sobre uma experiência passada na qual lhes tivesse sido atribuído, legitimamente, um papel de grande ou reduzido poder. Os outros foram convidados a escrever sobre uma experiência de grande ou reduzido poder em relação à qual não tivessem sentido que o seu poder (ou ausência dele) fosse legítimo. Depois, foi pedido a todos os voluntários para classificarem em que medida seria imoral alguém levar consigo uma bicicleta abandonada, em vez de a entregar à polícia. Também lhes foi perguntado quais seriam as hipóteses de eles mesmos levarem a bicicleta em vez de a entregarem, se tivessem verdadeira necessidade dela.
Os 'poderosos', que tinham sido preparados para pensar que tinham direito ao poder que detinham, lançaram-se prontamente em actos de hipocrisia moral. No caso do roubo da bicicleta, atribuíram aos outros uma pontuação de 5,1 e a si próprios uma de 6,9, pela prática do mesmo acto. Entre os participantes dos níveis de poder reduzido, o comportamento moralmente hipócrita inverteu-se, como acontecera no caso da fraude fiscal. Os detentores 'legítimos' de poder reduzido atribuíram 5,1 pontos a terceiros que roubassem a bicicleta e 4,3 pontos a si mesmos. Os que tinham sido preparados para sentir que a sua falta de poder era ilegítima reagiram de forma semelhante, atribuindo pontuações de 4,7 e 4,4 respectivamente.
No entanto, os participantes dos níveis de grande poder que consideravam não merecer as suas posições de destaque revelaram uma característica interessante. Mostraram uma tendência semelhante à detectada nos indivíduos com poder reduzido: serem severos para consigo próprios e menos severos para com os outros - mas o efeito foi consideravelmente mais espectacular. Acharam que, no caso do roubo da bicicleta, os outros mereciam a indulgente pontuação de 6,0 na escala de moralidade mas entenderam atribuir a si próprios uma pontuação altamente imoral de 3,9. Os drs. Lammers e Galinsky chamam "hipercrisia" a esta inversão.
Por conseguinte, defendem que as pessoas detentoras de um poder que consideram justificado violam as regras, não apenas porque podem ficar impunes mas também porque, ao nível intuitivo, sentem que têm o direito de fazer o que querem. Este sentimento de prerrogativa é essencial para se entender o motivo porque os detentores de altos cargos transgridem. Sem esse sentimento, as prevaricações seriam menos prováveis. A palavra "privilégio" traduz-se por "lei privada". Se Lammers e Galinsky tiverem razão, a sensação que alguns poderosos parecem ter de não estarem sujeitos às mesmas regras não é apenas uma cómoda cortina de fumo: é uma verdadeira convicção.
A explicação para a "hipercrisia" é menos evidente. Sabe-se, através de experiências realizadas com outras espécies, que quando os indivíduos que estão no escalão inferior de uma hierarquia de dominação dão sinais de quererem subir, os que estão no topo reagem de forma rápida e agressiva. A "hipercrisia" pode, pois, ser um sinal de servilismo - exagerado em criaturas que sentem ocupar um lugar inadequado na hierarquia. Quando aplicam a si próprias as mesmas prerrogativas invertidas, esperam furtar-se a ser castigadas pelos verdadeiros dominadores. Assim, o ensinamento a retirar talvez seja que a corrupção e a hipocrisia são o preço que as sociedades pagam por serem dirigidas por machos alfa (e, em alguns casos, por fêmeas alfa). Embora mais sã, a alternativa seria serem dirigidas por pessoas moles.
Metade dos 105 participantes foi convidada a escrever sobre uma experiência passada na qual lhes tivesse sido atribuído, legitimamente, um papel de grande ou reduzido poder. Os outros foram convidados a escrever sobre uma experiência de grande ou reduzido poder em relação à qual não tivessem sentido que o seu poder (ou ausência dele) fosse legítimo. Depois, foi pedido a todos os voluntários para classificarem em que medida seria imoral alguém levar consigo uma bicicleta abandonada, em vez de a entregar à polícia. Também lhes foi perguntado quais seriam as hipóteses de eles mesmos levarem a bicicleta em vez de a entregarem, se tivessem verdadeira necessidade dela.
Os 'poderosos', que tinham sido preparados para pensar que tinham direito ao poder que detinham, lançaram-se prontamente em actos de hipocrisia moral. No caso do roubo da bicicleta, atribuíram aos outros uma pontuação de 5,1 e a si próprios uma de 6,9, pela prática do mesmo acto. Entre os participantes dos níveis de poder reduzido, o comportamento moralmente hipócrita inverteu-se, como acontecera no caso da fraude fiscal. Os detentores 'legítimos' de poder reduzido atribuíram 5,1 pontos a terceiros que roubassem a bicicleta e 4,3 pontos a si mesmos. Os que tinham sido preparados para sentir que a sua falta de poder era ilegítima reagiram de forma semelhante, atribuindo pontuações de 4,7 e 4,4 respectivamente.
No entanto, os participantes dos níveis de grande poder que consideravam não merecer as suas posições de destaque revelaram uma característica interessante. Mostraram uma tendência semelhante à detectada nos indivíduos com poder reduzido: serem severos para consigo próprios e menos severos para com os outros - mas o efeito foi consideravelmente mais espectacular. Acharam que, no caso do roubo da bicicleta, os outros mereciam a indulgente pontuação de 6,0 na escala de moralidade mas entenderam atribuir a si próprios uma pontuação altamente imoral de 3,9. Os drs. Lammers e Galinsky chamam "hipercrisia" a esta inversão.
Por conseguinte, defendem que as pessoas detentoras de um poder que consideram justificado violam as regras, não apenas porque podem ficar impunes mas também porque, ao nível intuitivo, sentem que têm o direito de fazer o que querem. Este sentimento de prerrogativa é essencial para se entender o motivo porque os detentores de altos cargos transgridem. Sem esse sentimento, as prevaricações seriam menos prováveis. A palavra "privilégio" traduz-se por "lei privada". Se Lammers e Galinsky tiverem razão, a sensação que alguns poderosos parecem ter de não estarem sujeitos às mesmas regras não é apenas uma cómoda cortina de fumo: é uma verdadeira convicção.
A explicação para a "hipercrisia" é menos evidente. Sabe-se, através de experiências realizadas com outras espécies, que quando os indivíduos que estão no escalão inferior de uma hierarquia de dominação dão sinais de quererem subir, os que estão no topo reagem de forma rápida e agressiva. A "hipercrisia" pode, pois, ser um sinal de servilismo - exagerado em criaturas que sentem ocupar um lugar inadequado na hierarquia. Quando aplicam a si próprias as mesmas prerrogativas invertidas, esperam furtar-se a ser castigadas pelos verdadeiros dominadores. Assim, o ensinamento a retirar talvez seja que a corrupção e a hipocrisia são o preço que as sociedades pagam por serem dirigidas por machos alfa (e, em alguns casos, por fêmeas alfa). Embora mais sã, a alternativa seria serem dirigidas por pessoas moles.
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