quarta-feira, 30 de agosto de 2017

A Gloriosa Greve Na AutoEuropa

Artigo de Henrique Monteiro


Está a ser um sucesso a greve de 24 horas que hoje se cumpre na fábrica da VW em Palmela. Está a ser. O problema é… se vai ser um sucesso. Há dois dias, Nicolau Santos perguntava aqui se os trabalhadores tinham bem consciência do que estão a fazer. Eu, não sendo trabalhador daquela fábrica, posso adiantar duas respostas: ou não sabem e estão a ser manipulados (que deve ser a mais próxima da verdade); ou sabem e estão a proceder de uma forma inacreditável.

Afinal, a grande guerra, que por algumas contas só hoje custa milhões de euros e que pode atirar pelo menos parte da produção de um novo modelo para outro país, dá-se em torno de trabalhar ou não ao sábado. Mas não é trabalhar de graça. É com compensação de outra folga e com mais 175 euros mensais (bastante abaixo dos 400 se os vencessem em horas extraordinárias). Além disso, e esta parte não pode ser descurável para os decisores, haveria emprego para quase mais dois mil trabalhadores.

Penso que para se ter total consciência do que se está a fazer na AutoEuropa (e são sindicatos afetos à CGTP que lideram o processo), nada melhor do que ver o que afirma o histórico coordenador da Comissão de Trabalhadores da fábrica (1996-2016), António Chora, um homem afeto ao Bloco de Esquerda. Diz ele, hoje mesmo, ao ‘Jornal de Negócios’, meses depois de se ter reformado, em janeiro deste ano: “Orgulho-me de ter sido membro de uma CT que começou numa fábrica com 144 pessoas. Saí de lá com quatro mil, contrariamente a muitos sindicatos que entraram lá com 11 mil e saíram com ninguém, como na Lisnave, CUF ou Quimigal. Tenho muito orgulho no meu trabalho”.

O caso não é para menos. Com António Chora à frente da CT chegou-se sempre a acordo antes de haver qualquer greve (as únicas greves na AutoEuropa foram as greves gerais nacionais). Fernando Sequeira, que lhe sucedeu na CT (e cujo acordo com a administração foi chumbado em referendo pelos trabalhadores), acusa o SITE (Sindicato das Indústrias Transformadoras, afeto à CGTP) de ter ‘inflamado’ a empresa, ou seja extremado posições que não conduzem a um acordo profícuo.

Uma coisa é decidir no imediato, outra é resolver com os olhos no futuro

Muita gente lembra o paralelo entre a Opel na Azambuja e a VW em Palmela. Em 2005 ambos os fabricantes tiveram dificuldades e anunciaram que iriam fechar fábricas. A Opel, dirigida pelos sindicatos da CGTP fechou mesmo. Chora, com o seu talento negocial, conseguiu que a VW vendesse a sua fábrica de Bruxelas e mantivesse a de Portugal. Que aí continua, 12 anos depois, com mais trabalhadores, com a melhor produtividade do grupo e com a incumbência de fazer um novo modelo – 240 mil automóveis no próximo ano -, para o qual necessita que os trabalhadores compareçam seis dias por semana. Alberto Vale, do SINDEL, sindicato afeto à UGT, sublinha que há sectores da indústria que têm laborações contínuas de 24 horas e sete dias por semana, pelo que não entende a inflexibilidade demonstrada.

Podemos envolver política nisto. Talvez a CGTP estivesse farta de ter a principal fábrica do país fora do seu controlo. Talvez queira mostrar ao Governo a força que tem. Talvez muita coisa.

Mas há algo que todos percebemos: uma coisa é decidir com base no imediato – se os trabalhadores poderiam receber mais 400 euros mensais, por que razão se contentam com mais 175? - outra é resolver com os olhos no futuro: e se depois desta gloriosa e vencedora greve, a AutoEuropa, por decisões que nos escapam (estão na Alemanha) começa a definhar e tem o destino dos exemplos dados por António Chora ou da Opel?

E esta questão não é um problema apenas da CGTP ou do PCP. É, em geral, deste Governo, de todos os governos. Foi assim, olhando apenas o imediato, que chegámos a muitos lados onde não deveríamos estar. Na gestão do interior, na questão dos fogos, nas relações com outros países (veja-se o que ainda hoje se passou com a Venezuela). António Chora chama-lhe ‘populismo’. E é isso mesmo, puro populismo. Nem mais!

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