domingo, 18 de agosto de 2013

Sem Limites

Artigo de Alberto Gonçalves

A chamada lei da limitação dos mandatos autárquicos, cujo espírito ninguém percebeu ou percebe, é bastante discutível. O resultado não se discute: há poucas democracias tão exóticas quanto a nossa. Basta assistir à quantidade de autarcas que, chegados ao limite de reeleições no seu poiso de longos anos, vão literalmente pregar para outra freguesia ou, para ser exacto, município. Basta notar os escrúpulos com que a classe política se eximiu de produzir um esclarecimento definitivo - ou provisório, vá - sobre o assunto. E basta, por fim, constatar a pluralidade de interpretações que os tribunais dedicam a cada caso, de acordo com a instância, a geografia ou a preferência.
Mas se se fala imenso dos autarcas espertalhões, fala-se estranhamente menos dos autarcas que acumulam a esperteza com a preguiça, leia-se aqueles que não só insistem em recandidatar-se após cumprirem três mandatos consecutivos como insistem em fazê-lo no concelho original. O processo é simples: escolhe-se um verbo de encher (diplomaticamente: um "delfim", ou uma "jovem promessa") que concorra à câmara no lugar do ex-presidente enquanto este desliza para a Assembleia Municipal e manipula daí os cordelinhos. De norte a sul, o arranjinho traduz-se em diversos cartazes, nos quais o retrato do chefe ensombra o do verbo de encher. Sem novidades, o arranjinho também já divide a jurisprudência.
Não falha. Entre nós, as intenções sinceras ou simuladas de democratizar o Estado terminam em estado comatoso. A regionalização, abençoadamente enxotada, abriu o apetite de uma vasta estirpe de caciques. As candidaturas independentes, idealmente destinadas à abertura à "sociedade civil", limitam-se por regra a amparar o refugo partidário. E as limitações dos mandatos deram nisto. Eis o famoso desenrascanço pátrio. A pátria é que assim não se desenrasca.

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