domingo, 22 de julho de 2012

Leituras Para Um Verão Incendiado

Artigo de Ferreira Fernandes

Está quase tudo nos livros. Neste caso, num dos mais belos livros escritos na nossa língua, Luuanda, de Luandino Vieira. Zeca Santos, garoto estouvado dos musseques, anda sem trabalho, o pouco dinheiro de biscates ele gasta com camisa e regressa esfomeado à cubata onde vive com a avó. Há dois dias que não comem, a velha até já tentou cozer raízes de dálias. Nessa noite, porém, Vavó Xíxi dá uma esperança ao miúdo: "Olha só, Zeca! O menino gosta peixe de ontem?" Zeca Santos até passa a língua pelos beiços secos, suspira: "Vavó sabe que eu gosto. Peixe de ontem..." Então, a velha diz: "Se gosta peixe de ontem, deixa dinheiro hoje, para lhe encontrar amanhã..." Ontem, uma bela moradia da Camacha estava invadida de gente, donos e vizinhos tentavam afastar as chamas das traseiras. Aquela casa era a mais próxima do fogo, mas toda a fileira de vivendas dava as costas para mato bravio. Os bombeiros ainda não tinham chegado, rapazes atiraram-se para a piscina e passavam baldes de água para as mulheres e homens que defrontavam o incêndio. Depois do muro era mato seco e árvores de copas juntas, tudo varrido por línguas de fogo. Se no outono e inverno se abrissem caminhos nos terrenos baldios e na primavera se limpasse o mato, encontrar-se-ia, amanhã, o verão de que se gosta. Isso diria a Vavó Xíxi, tão longe e tão certa.

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