quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Terríveis E Famosos Mercados

Artigo de Henrique Monteiro
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A melhor definição de mercados ouvi-a há dias: os mercados são uma praça cheia de gente aos berros na qual se compra e vende, onde uns ficam ricos e outros pobres, uns emprestam e outros devem. A culpa é dos mercados. Eis uma frase que cada vez mais se ouve. Mas quais mercados? Quem? O que são mercados? As frases que os culpam não resistem a qualquer análise racional, porque 'mercados' somos todos nós - os que compramos e vendemos, os que nos endividamos e os que emprestamos, os que poupam e os que gastam, os que enriquecem e os que empobrecem.
Deus disse a Moisés que "sempre haveria ricos e pobres". Sendo crentes ou descrentes, todos temos de concordar que, pelo menos neste ponto, foi omnisciente. Os mercados sempre foram fazedores de ricos e pobres, de endividados e credores.
Historicamente os 'progroms' contra judeus ou os presentes envenenados florentinos foram resolvendo certas crises. Digamos que o bailout (que em português se pode dizer injeção de liquidez) era realizado através de meios bastante mais duros.
Porém, o preocupante não é a conversa dos mercados revelar ignorância sobre o que eles são ou representam, ou significar uma desculpa para quem teve nas mãos a condução da situação (e refiro-me não só a governos, como a empresas e mesmo a pessoas que não acautelaram as situações financeiras do país, das companhias e das suas próprias casas). O que é verdadeiramente preocupante é que, mutatis mutandis, esta intolerância, esta ideia de culpar alguém não é substancialmente diferente da que, em séculos anteriores, conduziu judeus à fogueira, banqueiros à morte e diversos inocentes às coisas mais bárbaras, apenas porque a crise económica gera movimentos de irracionalidade em cadeia. O que tem de mais inquietante este movimento contra os mercados é haver tanta gente que parece não ter ainda verificado que todas as tentativas de controlar a natural dissonância e confusão dos mercados acabaram em tiranias.
Quer isto dizer que não há nada a fazer? Claro que há. Uma é muito barata, embora difícil: exigir das pessoas, de todas elas, a responsabilidade a que corresponde a cidadania. Depois, é necessário que o Estado cumpra a sua parte do contrato - através das leis e, sobretudo, do sistema de Justiça, defender o bem comum contra interesses individuais ilegítimos - sublinho a palavra ilegítimos. Isto passa por ter uma ação reguladora no sentido de dar oportunidades iguais a todos e não isentar de impostos uns que escolhe, dar incentivos a outros de que gosta, subsídios a terceiros que votam no Governo e descontos a poderosos que os podem prejudicar politicamente.
É certo que há muitas injustiças quando o mercado funciona, mas há muitíssimas mais quando não o deixam funcionar.

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