domingo, 12 de setembro de 2010

Cinema Infantilizado, Ou A Morte Do Individuo

Artigo de Henrique Raposo
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Alertado por um artigo já antigo do TLS (Clive Sinclair, “Total Eclipse”, aka o artigo-descaradamente-roubado-por-este-post), resolvi fazer um exercício: comparar um clássico com o seu remake. Ou seja, resolvi comparar, vá, a psique do original com a psique da sua reconversão moderna. E o resultado é um pouco triste: nos anos 50, o espectador era tratado como um adulto; no nosso tempo, o espectador é tratado como uma criança ou mesmo como um imbecil. Hoje em dia, parte-se do pressuposto de que o espectador é burro. O argumentista e realizador metem tudo na misturadora e servem uma papa já mastigada ao espectador. Como é óbvio, este modus operandi destrói os silêncios, os subentendidos, o mistério de um frame não explicado, enfim, destrói a imaginação do espectador.
O objecto desta fabulosa experiência científica é o “3:10 to Yuma” (o original é de 1957, e foi realizado por Delmer Daves – um tarefeiro muito competente; fez um dos melhores filmes da dupla Bogart/Bacall, “Dark Passage”; o remake é de 2007, e foi realizado por James Mangold). A história gira em torno de dois homens, o bandido (Ben Wade – Glenn Ford/Russell Crowe) e o pai de família (Dan Evans – Van Heflin/Christian Bale). Como já perceberam, o encanto da história deriva da colocação de um homem normal (Evans) numa situação extraordinária. Reza a lenda que é aqui que nascem os heróis. Bom, não vou contar mais nada, para não ser desmancha prazeres. Vou apenas, como dizia há pouco, comparar a atmosfera de cada filme. E a diferença principal está na forma como se aborda o bandido, Ben Wade. O filme original não tenta explicar o comportamento do bandido, ou seja, não tenta explicar a origem do mal. O mesmo já não sucede no filme de 2007. Mangold tenta explicar o mal através dos traumas psicológicos: o pai era um pulha, e a mãe uma faraónica meretriz, logo, Wade só podia ser bandido. Esta justificação revela bem o ar do tempo das nossas sociedades, que vivem subjugadas por esta espécie de vulgata psicológica.
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Globalmente concordo com Henrique Raposo. Felizmente que ainda existem realizadores como Lynch, Van Sant, Scorsese, Cronenberg (entre vários outros) para não nos infantilizarem e nos tratarem como adultos que somos.

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