terça-feira, 28 de julho de 2009

Artigo de Henrique Monteiro
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Morreu Leszek Kolakowski, o último homem a mostrar pachorra para ler a obra inteira de Marx. Desde os anos 70, qualquer análise ao marxismo tem de passar pelas críticas que o paciente Kolakowski lançou sobre a masmorra marxista. Para este pensador polaco, o gulag não foi a perversão do marxismo, mas a sua consequência lógica. Estaline não foi um Lúcifer que traiu a santidade do marxismo. Não. Para passar do papel à prática, o marxismo necessitava da selvajaria de Estaline. Por outras palavras, o marxismo queria convocar os mais belos anjos da história, mas acabou por legitimar as maiores atrocidades do século XX. Atrocidades que, aliás, perduram por aí em doses cavalares (Coreia do Norte) ou em doses suaves e tropicais (Cuba).
Como seria de esperar, os livros de Kolakowski não estão traduzidos em Portugal. O nosso país continua a ser a irredutível aldeia do marxismo. E, não por acaso, este provincianismo marxista da intelligentsia portuguesa voltou a aparecer nesta semana, em resposta à provocação de Alberto João Jardim. Uma provocação certeira, diga-se. Quando relembrou que o totalitarismo tem duas faces, Alberto João meteu o dedo na ferida aberta por Kolakowski: o comunismo foi tão totalitário como o fascismo. Em Portugal, esse Astérix de Marx, a equivalência moral entre fascismo e comunismo é um assunto tabu. Mas, nos países que viveram sob o jugo de fascistas e de comunistas, essa questão é tudo menos um tabu. Para polacos e checos, o comunismo foi tão insidioso como o fascismo. Ou pior. Em Varsóvia ou Praga, usar uma T-shirt do Che é tão mau como usar um símbolo fascista. Posto isto, podemos até dizer que falta um Alberto João na Europa. A equivalência moral entre comunismo e fascismo está no centro das divergências entre a Velha Europa e a Nova Europa. No fundo, a UE dos 27 tem sido o campo de batalha entre duas narrativas contraditórias. Para os países da Europa Ocidental, a UE representa a fuga do demónio fascista e do Holocausto. Para os países da Europa Oriental, a UE significa a fuga do Belzebu comunista e do gulag. É por isso que os europeus ocidentais ficam incomodados quando a UE é presidida por um país de Leste. Com um checo na presidência, por exemplo, os europeus ocidentais são forçados a encarar a narrativa incómoda. E este incómodo indicia uma coisa muito simples: não existirá uma plena unidade europeia enquanto os europeus ocidentais não aceitarem que o comunismo foi tão mau como o fascismo. Como cidadãos europeus, devemos prestar homenagem às vítimas do Holocausto e do gulag, e não apenas às vítimas do Holocausto. Exportemos, então, Alberto João para Bruxelas.

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