sexta-feira, 7 de julho de 2017

O Estado, O SIRESP E A Anarquia

Post de Henrique Monteiro

Ainda não comecei a ser completamente anarquista. Porém, se pensasse que não existia melhor para além do que ouvimos no Parlamento, talvez aderisse. Em São Bento, parte quer o Estado para fazer negócios com o dinheiro dos contribuintes; outra parte necessita do Estado para viver à custa dos contribuintes; por último há os que querem engrandecer-se gastando aquilo que contribuintes são obrigados a pagar. Claro que há os chamados ‘danos colaterais’ desta teoria: precisamos de sistemas de Saúde, de Educação e de Justiça que deem a ideia de que o Estado faz mesmo falta. E eles existem e alguns funcionam bem e outros mal. Mas não é esse o conceito de Estado que, essencialmente, está nas iluminadas cabeças de boa parte dos deputados.
Abreviando, vamos ao caso do Siresp. Primeiro a sigla significa, para quem não saiba, Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal. Como é óbvio, um sistema destes, onde não há nem pode haver concorrência, ao contrário dos transportes públicos ou da TAP, não devia ser privado. Mas não é o que pensa o Parlamento, nomeadamente o PS que votou contra a passagem daquela estrutura para a esfera estatal.
Este PS foi o mesmo PS que achou que a TAP sem 50% do Estado era uma monumental falha na soberania, pelo que reverteu a sua possível privatização, como a de outros transportes públicos. Desculpem-me, mas se isto faz sentido eu engulo o meu chapéu, como dizia o outro.
Podemos discutir horas sobre a necessidade de a TAP ter 50% do Estado, ou mesmo de os supermercados serem do Estado, como os bancos e os seguros. Houve países assim e em Portugal já quase que assim foi. Esses modelos faliram todos, mas podemos ir experimentando e falindo (como pretenderão o Bloco e o PCP) até à exaustão. No entanto, (e estando neste ponto concreto de acordo com o Bloco e o PCP) não consigo discutir um minuto por que razão o sistema que integra redes de segurança e emergência do nosso país deve ser privado e controlado por quatro empresas cujo capital na maioria nem português é. Não só não consigo, como até exijo que todos aqueles que me chamaram neoliberal a propósito da TAP, e agora defendem o Siresp na esfera privada, me peçam desculpa e reconheçam que neoliberais são eles. É preciso ser muito neo (ou ter negócios muito estranhos) para defender uma coisa destas. Custa-me, até que o PSD e o CDS não compreendam que não é indiferente a propriedade de um sistema como o Siresp.
O Estado tem missões básicas – Defesa e Segurança dos cidadãos, território e propriedade; Justiça e resolução de conflitos, representação externa - que são monopólios naturais
Algo de semelhante se passa nas Forças Armadas. Há instalações militares protegidas por grupos de segurança privados. É mais do que irónico, não sei se isto será evidente para todos, mas é muito mais do que irónico – trata-se da confissão do desmoronamento do Estado.
O Estado tem missões básicas – Defesa e Segurança dos cidadãos, território e propriedade; Justiça e resolução de conflitos, representação externa - que são monopólios naturais. Essas funções de soberania têm de estar asseguradas pelo domínio público, ou seja pelo Estado, diretamente. Naturalmente, se alguém quiser mais segurança do que aquela que o Estado dispõe pode recorrer a empresas próprias. Mas o Estado não pode deixar de assumir a segurança de todos e, sobretudo, de si próprio, uma vez que tem o exclusivo e monopólio da violência. Noutros temas, há aqueles que privilegiam um Estado mais social e integram no seu perímetro a Saúde, a Educação e outros serviços básicos e universais; e outros que não o fazem. São discussões de opção política que dividem os partidos mais e menos liberais, mais e menos sociais. Daí para a frente, as divisões são muito maiores e – essas sim – são questões ideológicas puras: banca, transportes, comunicações, seguros, etc. – podem ou não estar nas mãos do Estado. Há quem defenda que nada deve escapar ao braço estatal. Porém, o contrário – que nada deve ser do Estado só anarquistas de certo pendor. Mesmo o mais puro anarquismo libertário mantinha setores como a Justiça, embora realizada em moldes diferentes, no seio da comunidade ou de quem a representa.
Por isso, quando se tem a lata de defender que o Siresp pode se privado, mas a TAP tem de ter capital do Estado acho que batemos no fundo do pensamento estrutural sobre o país, a sua soberania e a sua segurança. Infelizmente, ontem foi o partido que nos governa que mais defendeu essa bizarra tese.

Sem comentários:

Enviar um comentário